sábado, dezembro 19, 2009

Escrever com olho olhando

Texto escrito sobre as cinzas. Sobre crônica que se apagou. Para onde foi não sei. Prometo aqui abusar das conjunções e deixar a primeira pessoa em seu devido lugar. Aqui só entra com crachá, roupa social e dramas que valham a pena.
Até segunda ordem
Sou-me.
***

A gente quando escreve com olho olhando escreve assim, escreve bonito e formoso, roupa de chita, maquiagem de moça direita e água de colônia para sair assim caprichada na rua. A gente escreve assim, atento às linhas, atento aos sorrisos esses que podem sair pipocando em cada letrinha, em cada frase em cada páginazinha dessas que vamos encontrando no caminho.
A gente então fica assim, resumido a uma linha somente e nego fica pensando que não, nego fica pensando que o cara cresce na linha, nego tá errado, tá viajando, pois o lance aqui é sumir, é descentrar, é misturar mais e mais num caldo desses aí que não sabemos o nome.
Nego fica pensando que tudo é figura de estilo, fica pensando assim bastante coisa e sai escrevendo por aí. É que nego escreve sem olho olhando. Quando a gente escreve com olho olhando a mentira da literatura como vida cai por terra e fica ainda mais mentirosa. Aí vem gente dos mais variados lugares, dos mais variados cafundós, das mais variadas escolas fica repetindo aquele papo de literatura como vida, de literatura como respiração, de transgressão e blá blá blá. Nego viaja direitinho nessa parte porque não se dá conta de um detalhe crucial de toda a história. A primeira linha. A primeira palavra, a primeira letra que chega no papel já chega com cara de cinismo, com cara de tinhoso, com maquiagem de mulher da vida, com vestido curto, indecência e imoralidade. Já pertence ao demo. Nego não percebe que, como já foi dito, a literatura é o verdadeiro playground do Satã. Nego é burro.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Açaí Memories

Querida Decadência

Outubro aguado e insosso esse que nos presentearam hein? Eu me escondi no shopping, templo do consumo, casais maravilhosos de mãos dadas admirando sapatos e roupas e outras coisinhas mais. As mesmas piadas e o mesmo comentário. Por minha parte, atração e repulsa. Entro no shopping escutando no meu MP3 o novíssimo recém lançado disco da Alcione, fingindo inocência e sinceridade.
Uma lanchonete me acena de longe na paisagem colorida e vibrante da praça de alimentação. Pudores benjaminianos me invadem. Abro livrinho e banco o intelectual descolado tomando mate curtindo o som na tv. O show da Ivete que ela fez aqui no Rio. Sim, aquele em que ela está toda de plástico preto. Nunca entendi aquela roupa.
Na leitura, Ana C, my new friend, minha literatura meiga sustentando o meu sem sentido. Mais um daqueles livros que começam numa velocidade estonteante e custam para serem terminados, seguem intensos porém arrastam-se de alguma maneira que não dá pra entender.
Clássicos da Ivete enumeram momentos de minha adolescência: agora com outra roupa Ivete parece mais descolada. Acompanho a canção em interesse sincero. Ana fala em desenraizamento. Apresso a me identificar na parada. Mas curto o momento como um acontecimento sensacional. Alimento fantasias lésbicas com a mega star soteropolitana. Penso na minha monografia e despreocupo-me. Lamento somente o meu desbunde ter chegado tão tarde.
Quem sabe foi lucro.
Pasmo ao ver Ivete convidando o Samuel do Skank. Ivete é realmente o futuro. Digo isso sem intenções humorísticas, sem vontade de soar cool ou in. Fecho a Ana C. e capitulo frente à rainha baiana.
Nostalgias futuras. Sinto-me no limiar de alguma coisa que não sei o nome.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Os êxtases de Teresa

EXERCÍCIO DE ESTILO I

Eu já avisei que não vou ficar aqui bancando o revoltado nem gritando aqui da janela desse apartamentozinho asqueroso fedendo a uma eterna merda assim tapete molhado essa minha tristeza não tem cara de nada nem de indiferença

se ao mesno eu fizesse da minha escrivaninha minha amiga e da música a minha confidente

eu seguiria tal senda menos assim, ferido, ferido

Mas não, aí era pudor para adivinhar ataque de vontade lá do fundo, preparando o terreno para a loucura eternamente domesticada e o meu fascínio quando entrei num hospício de verdade e fiquei falando sobre a loucura, assim viajando, viajando, viajando

a minha boca estava aberta
e a minha cidade se oferecia tão livre, tão bela e tão disponível
enquanto era tempo do belo

da eterna consciência da vida.

EXERCÍCIO DE ESTILO II

Aí nego chega já puto e vai zoando a porra toda e eu disse pros cara lá que da próxima vez ia vir nego pra tirar satisfação pois no fundo mesmo você deve estar de sacanagem o pessoal lá é tudo doido, amigo, doido mesmo, os cara lá cheio dos pó trancado no apartamento se drogando e se comendo você quer o quê? depois saí aí pela rua doidão, boladão, achando o quê? achando que tudo é bonito e que a vida é bela.

EXERCÍCIO DE ESTILO III

A comunhão com Deus. Chegar a plenitude. Considerações acerca do êxtase. Epifania. Paixão. Padecimento. O amor. A via crúcis.

Os mercadores do templo.

Jesus quebrando o barraco.

EXERCÍCIO DE ESTILO IV

Pois também eu tenho o direito de sair quebrando o barraco já que ninguém me entendia, eu não tinha culpa de nada não era eu que tinha uma samambaia no meu apartamento e ficava escrevendo carta para uma paixão antiga e enrugada que morava no Leblon se entupindo de açaí roxo de tanta raiva e tanta desejo e tanta amargura o meu amor bicha velha ia envelhecendo lá indiferente às minhas cartas e aos meus solos de jazz que eu ia lá descaradamente mostrar, ah danação, ah danação, paraíso artificial e eu não comprei livrinho nenhum do Baudelaire na feira hippie, fiquei na praia, lá onde há 70 anos repousavam as dunas da Gal

EXERCÍCIO DE ESTILO V.

Lá em Canaã Abraão abriu
Minha consciência
(CENSURA LOVY BIBLE)

No livro de literatura no êxtase de Santa Teresa
O menino rabiscava besteiras
- Tia, parece que ela tá com fogo
olha a cara dela

EXERCÍCIO DE ESTILO VI

Poeta murcho, açai, pó, gudans contrabandeados de Niterói, guarda biografia da Santa Teresa na mochila

E saí por aí advogando aos quatro cantos

que ela é demais.

EXERCÍCIO DE ESTILO VII

Clichê eterno de terminar poesia com salmo

"Certa vez, estava eu considerando por que razão Nosso Senhor é tão amigo da virtude da humildade. Veio-me logo de improviso, sem trabalho de raciocínio, esta resposta: é porque Deus é a suma verdade, e ser humilde é andar na verdade. Grande verdade é que nada de bom procede de nós, a não ser a miséria de ser nada. Quem não entende isso, anda na mentira."

1a. De Davi
1b. Ó Senhor, de coração eu vos dou graças,
porque ouvistes as palavras dos meus lábios!
Perante os vossos anjos vou cantar-vos
2. e ante o vosso templo vou prostrar-me.
Eu agradeço vosso amor, vossa verdade,
porque fizestes muito mais que prometestes;
3. naquele dia em que gritei, vós me escutastes
e aumentastes o vigor da minha alma

domingo, dezembro 06, 2009

Quando eu abro os braços

Talvez eu tenha consumido o ato final da minha breguice melancólica nostálgica ao escutar hoje aquela canção da Gal que guardava a sete chaves

O tamanho da dor era do tamanho do mundo como abrir uma gaveta daquele tempo que já foi embora e que ficou em cada melodia e cada verso do ar que era novo como o amor que eu respirava e duvidava passageiro

o amor que um dia me mostrou a sinceridade e seu pulso livre de qualquer momento vigilante do desapego do sereno delicado

de repente desnudou-se assim sem reservas e me cantou no ouvido a canção que deu título ao meu amor e que agora estava tão ali, tão disponível,como mais uma estranha

Banquei o ascético e fui agarrando almofada ao som de imãs, sós, olhos, voz e fui deixando surgir na minha frente a lembrança do meu esquecimento mais sincero

domingo, novembro 29, 2009

Vez em quando

Vez em quando brinco de apaixonado

Me sento na beira do caminho ouço músicas lindas e românticas e me perco no tempo.

Não abstraio, não faço teorias nem me analiso.
Deixo queimar, deixo o caminho chegar até o fim.


Renego e não confesso
mas é isso o que move tudo.

terça-feira, novembro 24, 2009

Gudans Garam

Tenho fumado Gudangs Garam como quem fuma o mundo. Às vezes acendo o meu quarto em projetos intermináveis e fico a discorrer sobre o tempo empurrando com a barriga apertos de coração. Agora que a minha prosa me sufoca, invade território alheio e muda de general, o meu coração não faz outra coisa que apertar assim. Em tamanha dispersão me encontro, ridicularizando terríveis certezas apegando-me ao que não passa.



Tem sido difícil fazer literatura de maneira que o sol fique em seu próprio lugar. Textos frescos e velhos todos eles já passam da validade quando encontram o papel.



Gosto da deselegância do Gudang. São cigarros indonésios que me transportam ao subúrbio de Bandung onde as pessoas nascem sabendo da verdade que por aqui é puro desconhecimento.



Aprendo ternuras em olhares alheios.



E em sorrisos novos



Que doiram sóis sem literaturas

sábado, novembro 21, 2009

Sabat

Seu livro solta folha e meu coração também principalmente nestas tardes assim de sábado desconsoladas irreais cinematográficas onde todo o tempo é uma mentira que me separa de ti tão inalcançável e tão disponível de tão puro



Daí eu dou pra ficar triste e ressabiado, decorar os textos, afundar-me em leituras impróprias e descobrir as melodias que talvez um dia possam vir a te interessar



That’s the way we go living our lives my dear, that’s the way I do my best just to see that life is living and living and living



That’s the way there’s no way to run out, I know, I know, those who had failed in this thing, they are there, they expect for something or a sweet text where you can read in brazilian english that



This is an experience not to be missed.



Daí eu dou pra sair no the book is on the table there is there are no meu coração muito do que Shakespeare já falou sobre o amor, não tem jeito, não tem jeito, língua que não é latina vai ser sempre estrangeira e artificial mas por isso mesmo verdadeira por isso mesmo sincera



Whitman me desconsola horrores quando estou assim sábado a tarde fingindo sono ouvindo disquinho de música estrangeira



Ginsberg então me prova o contrário das letrinhas melonetianas





Oh sweet, have you heard me myself I, have you read about the man I love have you noticed that things are kind of strange on this Saturday?





You gave me birth. E eu serei sempre artificial ao dizer que sim,



Eu te amo.

sábado, novembro 14, 2009

2009

Cheguei e confessei amores.

A barca incandescente. O centro da minha cidade idem.

Livros. Promessas. Tantas vezes no cartão. Sem juros.

Triste sina essa a das poesias que se escrevem, das palavras que se repetem, se prostituem e se desgastam para dar conta das lembranças também prostituídas.

Sábado de sol e eu na barca ao som das crianças excitadas

A baía é lânguida e tem cara de estrangeira

E tudo tem cheiro de tédio

Força para o primeiro passo, primeiro apito, primeira carta, primeiro dia, primeiro amor.

Lembrança, aqui estou
Dessa vez nu

Entrego o jogo
Confesso tudinho

Purgatório no dia após o besame mucho

Vivo.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Como construir uma eternidade duradoura

Cena imaginada: liga-se o rádio, finge-se gravação, exterior de dia estrangeiro, declama-se texto escrito em folha antiga e despudorada:


Deglutindo em tarde estrangeira um espanhol preso e arranhado na garganta, todas aquelas palavras magoadas, aqueles erres e esses enferrujados a poesia saía assim qual texto declamado por Cortazar, pátria ferida, vontade de passados, uma língua encostando-se à outra me causava graça, muita graça ver uma língua fantasiada de outra e escutar o seu sotaque assim tão leve assim tão de fino eu que só me prometi observar seu corpo de longe a sua beleza e nunca tocar no seu amor linda figura que construí para mim...

(olhando para o chão, pausas de mais de 30 segundos)

Mas o seu corpo sem o seu sorriso ainda assim sorria para mim e todo você me inspirava ternura de longe ternura de perto ternura humana de suas mãos levemente embriagadas pelo vinho pelo violão pelo bandoleón e pela voz assim mansa do tango feliz também estrangeiro declamando para ti versos ininteligíveis que insistias em repetir

E eu amando o seu amor desejando o teu desejo guiando-me pelo teu farol ia confirmando, só de longe preenchendo formulários intermináveis de vontade de pegar na tua mão de uma só vez e dizer que a vida era uma só e que o táxi lá fora nos levaria á felicidade prometida do meu quarto em noite fria de calefação ligada muitos livros para não serem abertos e bobagens para serem ditas

E você já botando na rádio bossinha nova, sonzinho barato, achando que sim aquilo era o som propício para a ocasião quando na verdade quem cantava mesmo eram os pingos gelados no lado de fora, melodia essa que precisa do silêncio e de seu toque para acontecer e se eu pudesse te escrever naquele momento te escreveria assim como você é belo, como você é distante, arredio, como você é você, interessantemente você, quanta alegria tão perto da gente, tão perto de tuas costas e de tua maneira alheia de rir...

E eu me conjugava em você eu me definia em ti a primeira e a segunda pessoa o meu verbo agia assim a partir do você, a partir do outro, do eu mentirosamente misturado lá no fundo, da completude incompleta de dois corpos que se pediram e se perderam no caminho sozinho do mistério de dois adeus antecipados, de dois olás, de duas dores que se somam se subtraem e se multiplicam

“saudade is the kind of feeling that I can’t explain” dizia você, falsamente você, carregando no sotaque inglês o cinismo daquela palavra atordoada e clichê que queríamos mais violentada, aberta, consumida, destruída pelas outras línguas.

Daquele quarto daquela noite daquele momento guardo a promessa de vida, a tentativa de eternidade, e o seu sorriso que irradiou toda a madrugada.

Eu, nesse agora estrangeiro, sou exilado do presente, arranho a tua língua, te falo, te declamo e te gaguejo também passando o tempo na janela levando você em boleros que pegam sim o avião e cruzam o atlântico e o canal da mancha repousando eternamente em seus ouvidos em suas costas, em sua mesma velha cidade, em seu mesmo velho outono em seu mesmo velho céu tão sincero

Cena não imaginada; exercício de estilo, poeta ator rasga papel dá play no radinho e estala o dedo nos 4 minutos da canção

“mi corazón es un eterno taller de escritura” – José Carlo, Boedo.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Letícia

"All night she visited the bars. She wore a hat which she pulled down over her face and, during the course of the entire evening, no one had yet recognized her. She was an anonymous woman with good legs. She was whistled at and propositioned but one glance out of her bleak eyes was quite enough to curb the advances of even the drunkest sailor.

Two o'clock and she was drinking in a bar. She watched a lonely couple dance to the music of the jukebox. She wondered where she was. Probably still on Bourbon Street, but she couldn't tell. All of the bars in the Quarter looked alike to her . . .

But the desired detachment did not come. She was still sober. She decided she would go to another bar - perhaps a change in atmosphere would help her forget, help her to become drunk again."
Katherine Everard



Frustraram planos de praia. Frustraram tantos e tantos planos que hoje o domingo ficou assim, egoísta, permissivo, moralista e um pouco católico. Deu angustiazinha tímida lá do longe, sensação de que as coisas estavam estranhas. “Tá estranho né?” Era justamente o que me dizia Letícia. Independente do lugar e da atmosfera era sempre o signo da estranheza que guiava os seus passos. Eu me contentava em concordar, em me fazer confidente das estranhezas dela. Raras vezes discordava de suas frases e ficava assim, egoísta, de longe, curtindo a cumplicidade ferida sabendo que no fundo sim, eu era o primeiro a acreditar na estranheza do ambiente advogada por Letícia.

Ela era uma mulher interessante. Ainda não quero me deliciar no gozo sem volta, no gozo do eco em descrevê-la num lindo passado. Quero sim desnudar Letícia para que vocês a vejam, a partir de suas vivências, de suas experiências de planos realizados e frustrados.

Quando Letícia morou em Buenos Aires, ela arranjou um emprego de lavadora de pratos num restaurante em Palermo. Seu chefe era gente fina, assim como toda a equipe que trabalhava com ela no abafado ambiente da cozinha. Inclusive fumavam baseado adoidado lá dentro, ao meio dos comentários dos bastidores, dos pratos, dos talheres afoitos que não paravam de chegar à pia sempre cheia em que Letícia dispunha seus pensamentos e os analisava concentrada na tarefa de lavá-los. A droga talvez aumentasse essa sensação de missão, essa completude pequena, mas verdadeira, talvez por isso grande e sincera. Essa missão de lavar a louça custe o que custar, esse sentimento de grandeza que algumas tragadas davam ao seu ser e enchiam a sua vida de sentido.

Letícia me confessou isso com tristeza nos olhos. Estávamos no Brasil, num desconsolo de tarde de novembro, daqueles novembros que sabem ser mais quentes e perversos que janeiro. Mesa de bar, sensação de fim de livro, depressões avizinhando, pedimos itaipavas e fumamos cigarros da Indonésia tentando restaurar parte de um passado que foi lindo e que nos maravilhava. Era muito brilho no olho, era muito o tempo passado, a confissão da cumplicidade, das músicas prediletas, das experiências, das angústias e dos planos. “O tempo passando é o que mais dói” disse-me ela depois de algumas cervejas e alguns olhares mais ternos. O silêncio se fez em nossa mesa. Ao fundo pessoas alegres bebiam e trocavam comentários, brincadeiras e diversões. “Ah, a ilusão da cumplicidade dos bêbados!” Pensei eu, rindo a um certo ponto por muitas vezes ter advogado tal cumplicidade para muitos, inclusive para Letícia. Naquela altura de nossas vidas nem isso mais fazia sentido. Era eu, Letícia, a mesa e os outros. Entre mim e ela uma vírgula, um mundo, um universo. Solidão, sem grana para análises e relacionamentos frustrados, temi por mim mesmo. Sem antes pensar em Letícia que agora buscava amenidades e conversava levianamente sobre a novela das oito, olhei para fora do bar e vi o desconsolo das seis horas da tarde. O sol ainda batia na entrada do bar, era impiedoso. Nenhuma pessoa na rua. “Um desconsolo até bonito”, pensei, ao ouvir Letícia.

A nossa cumplicidade se encontrava justamente nesses momentos. Em que um sustentava o dedo e pedia mais outra cerveja ou pedia mais outro cigarro e começava uma história. Não havia sustentação para os nossos momentos monologais. Tinha sim muito brilho no olho para cada história, para cada confirmação, para cada traço do amigo que se reconhecia, para cada surpresa de uma atitude desaprovada. Eu não desaprovava Letícia. Ficava sim pensando muito na vida dela, em como eu fiquei, nos abandonos de ter ficado no Brasil colhendo sentidos em artigos e traduzindo baboseiras enquanto ela ia se aventurar na Argentina, tão pertinha, tão fácil e acessível em seus cartões postais de lugares lindos e deslumbrantes, cotações de peso para o real tentadoras que Letícia se atrevia a me escrever nos postais com convites para apartamentos e noitadas portenhas com muita gente que ela dizia chique. Letícia ficou bastante tempo na Argentina. A gente se correspondia, é claro. Com solavancos, pausas, suspiros, birras e beicinhos. Cartões apaixonados, secos, sábios, era o que não faltava. Eu já tinha tudo em casa. A praça de Maio em seus variados ângulos, o obelisco que achava horroroso, a avenida Corrientes e até um menos badalado do bairro de Boedo onde as duas esquinas se encontravam num tango que ouvia desde pequeno.


Letícia não gostava de tango e me causava graça vê-la agora gostar, forçar um gosto sincero que com o tempo seria mais verdadeiro que o meu.

Não levei Letícia para o aeroporto. Não levei porque não queria e porque queria muito no fundo sim pegar aquele avião com ela. Ela me disse que chorou um pacífico ao entrar no saguão de embarque e ver ao longe a igreja da Penha. Letícia tinha uma queda sincera pelo Rio, pela festa da Penha em que fora uma vez e ficara deslumbrada. E pelos sambinhas que se ofereciam a ela enquanto crescia o seu sorriso, o seu corpo e o seu desejo de vida. Fiquei imaginando Letícia chorando vendo a Igreja da Penha ao longe em dia nublado e feio de julho. A malinha na mão, ouvindo música e escrevendo na sua agendinha poesias ou comentários inúteis. Ao despedir-me dela por telefone falei-lhe sobre a Rayuela do Cortázar e que ela tinha de ler de qualquer maneira, que ela não tinha que temer os clichês, que eles eram belos e preciosos. É claro que adivinhei ternura da Maga em Letícia e talvez com um medo de criar monstros em meu laboratório pedi para que ela mesmo tirasse as suas conclusões lá, lendo aquele livro destruindo assim minha ilusão. Muito tempo depois, ao encontrar-me com ela no bar, esqueci-me de perguntar se ela lera ou não o livro. No final entendi que sim. E que não achara lá aquela coisa.

Letícia é assim. Quando criança quebrava o pau com todos, com os amiguinhos, as amiguinhas, as bonecas e as professoras. Não gostava muito de brincar com outras crianças. Preferia a companhia dos mais velhos, ou então a companhia do jardim, seu universo próprio onde realizava as suas experiências que alimentavam o seu sonho de ser tornar uma famosa cientista.

Não fora uma criança triste. De jeito nenhum. Havia muita alegria na sua solidão, havia um desencontro, um otimismo feio em fase de estirão. Os pais talvez ficassem incomodados com isso. E talvez por isso sua mãe a tratasse de uma maneira diferente. Lá em Maria da Graça, onde morava quando adolescente, Letícia começou a sair de seu jardim e ganhar o mundo que não cabia no seu Rio de Janeiro. Pão de Açucar, Copacabana, Cristo Redentor, tudo isso era meio estrangeiro para ela. Era o Rio que ela vivia na tv, mais verdadeiro que a Dom Hélder Câmara turbulenta e apressada, mais verdadeiro que a Penha e sua igreja. A sua perdição foi ficando cada vez mais no centro e já depois dos 20 voltava poucas vezes para a casa. Dormia no centro, na zona sul, além-ponte e se deixava ficar seduzida pelos novos amigos, pelas suas curiosidades, seus comentários e sua beleza. Quando voltava para Maria da Graça era pra jurar eterno amor, olhar desconsolada o passado, a promessa de vida, chorar com a mãe e com os seus irmãos. Ao sair de casa seu coração se enchia de alegria triste, sentimento que na época não conseguia dar nome e função. Deixava ele parado lá, sentindo, cutucando a cabeça, acalmando-a no mormaço do fim de verão carioca. Gostava de fazer o papel de passageira de ônibus distinguida e independente. Botava óculos escuros e abria o seu romance Júlia displicentemente para chocar a burguesia que ela já nem sabia identificar. Quando se aborrecia com o romance saltava as páginas, fazia observações, marcava, relacionava, citava e modificava passagens. Confessara a um namoradinho que um dia escreveria um romance como Júlia e que sim seria um sucesso e que neguinho nenhum ia falar mal dela.

Letícia deslumbrava os seus namoradinhos.

Tudo isso eu lembrava, conversava e ria com ela naquela mesa de bar, tão irreal, tão triste e melancólica. Tive medo, muito medo. O medo era tanto que quando pedimos a conta senti um peso no estômago, uma aflição, uma tonteira que me deixou assustado. Depois daquela mesa seria cada um por si, com as suas loucuras e seus apartamentos. Fiquei assustado, tentei pedir saideras sem sucesso. Fomos caminhando junto com o sol já baixo. Confessamos amores, alegrias e decepções mais uma vez, e tomamos o caminho para a faculdade onde havíamos nos conhecido. Caminhamos pelo campus relembrando os momentos que nos pareciam distantes e nos provocavam uma certa tristeza alegre, madura e vivida. Letícia estava menstruada naquele dia e precisava ir ao banheiro. Fiquei esperando do lado de fora conversando com ela numa faculdade vazia de sexta a noite, último horário. As raras figuras que apareciam eram calouros, seres perdidos, orientandos vagando com seus sonhos e certezas. De repente fui tomado por um excesso de ternura por todos esses seres admiráveis. Cheguei a chorar escancarando a minha crise para Letícia que ficava me consolando bêbada, à sua maneira linda e admirável. Como ela se punha maternal nesses momentos! Logo ela que desdenhava a maternidade! Fomos ver o luar, pois a lua estava cheia e bonita. Olhamos a paisagem da baía de Guanabara, as árvores e o centro da cidade ao longe. A alguns metros de nós se encerrava um congresso vazio de Filosofia e uma mesa de quitutes variados nos oferecia uma espécie de paraíso na terra. “Ah, a academia...” suspirou apaixonada Letícia agarrando meu braço e me puxando até os quitutes. Comemos horrores. Letícia não conhecia o molho agridoce e ficou extremamente deslumbrada com a mistura do salgado com o doce. “Bem-vinda ao mundo do agridoce” disse-lhe. Notei que ela gostou bastante dessa frase e ficou repetindo para melhor guardá-la na sua cabeça. Isso me emocionou. Comemos muito e saímos de lá satisfeito, barriga cheia, embriaguez leve e pesada de verão passando. Caminhamos até as barcas e zarpamos para o outro lado da baía que estava linda. Passamos pela praça altivos, belos, robustos e bem alimentados. Adiávamos nossa despedida disfarçadamente. Fingíamos não ver os ônibus que passavam.



Mas uma vez temi a sensação de fim de livro, de fim de romance, de penúltimas páginas, onde todo um mundo de possibilidade se encaminha inexoravelmente para a frieza de uma única folha, de um único parágrafo deixando o leitor desconsolado, à deriva, tendo que lidar com o vazio de tudo. Me senti o vazio de tudo e procurei explicar isso a Letícia. Ela pareceu não entender muito. Começávamos a entrar em sintonias diferentes e isso de alguma maneira me assustava e me aliviava. Nos apressamos e decidimos que dessa vez nos despediríamos. Trocamos carinhos, declarações de amor, encontros e desencontros. O ônibus dela chegou primeiro apontando lá praqueles cantos tristes do aterro. O meu chegou tempo depois. Coração pesado, tristeza triste, vontade de dormir, subi no ônibus passei pela roleta e encostei minha cabeça na janela sem forças inclusive para chorar e curtir a minha pieguice.

domingo, novembro 08, 2009

Ya sé que no soy amigo del Rey. Sé de muchas cosas pero ellas no me sirven para nada.

Ya sé que el mar te observa también. Ya sé que a ti te gusta el olor del mar. Y que a veces te agarra algo que no sabés nombrar.

Sé de todo eso. Pero todo eso, todo es es tan tan poco.

Eu não quis escrever Letícia desde que ela chegou aqui anunciando mudanças de condutas, planos e tantas e tantas outras coisas.


Tocou a música afinal. Não fui culpa minha. Fazia muito, muito, muito tempo que eu não a escutava. Juro, juro que não foi culpa minha nem de ninguém. Foi brabo. Não quis ouvir, tive que ouvir e me resignei.

Em pedaços.

eu.

quarta-feira, novembro 04, 2009

Voltei.

Eu agora sou dado à poesia
Imenso acaso que brotou no meu ego
Eu agora sou assim escravo à toa
Poeta sem olhos
Fiscal de lembranças
Decorando a entrada dos fragmentos

Eu agora sou dado ao jogo das contas de vil metal
Observo olhares bancando o intelectual
Xoxando intensidade
Sendo e não sendo na moral

Agora vou mandando tomar no cu o pão de açúcar
O Cristo
A baía
O outro lado
E as árvores solitárias do aterro com caras de solteirona

Arrependendo-me duas vezes
Limo verso nenhum
Tento gostar de João Cabral
Pra soar chic e legal

Mas verso branco aqui não é nem cinza
Nem preto
Nem de cor nenhum

E meu amor é como Deus
Uma vez inventado é difícil de desinventar
Fica lá mexendo, mexendo e mexendo

E enquanto não consigo pagar o analista
Volto à estética da ingenuidade
Escrevo as coisas mais bonitinhas novamente
Desenhozinho na folha branca entregue a Tia do Jardim

O tempo passa a mão e muito
Vai sarrando sarrando e eu vou me adiantando
Fazendo a egípcia
Cú doce
E falsa timidez

Vou comprando no cartão
Adiantando bolsas
Escolhendo papel de parede
Baixando os últimos lançamentos da mpb bicha velha samambaia gato e solos de jazz que calam fundo

Nas noites de sábado terra de ninguém

terça-feira, novembro 03, 2009

Laconismo Complicado

Escrita assim é auto-ajuda.

E eu já não tenho mais pudor.

Mas o poeta lacônico deverá falar:

As eternas tardes de domingo serão vingadas

Cedo ou tarde nas melodias da minha cantora preferida.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Mas tantas, tantas fiz....

Amor, as poesias que escrevo para você
Estão cada vez mais ruinzinhas
Fraquinhas que só elas
Fingindo ingenuidades
Digressões inúteis

Eu já tentei de tudo:
Ovídio
Macumba
Remedinhos e Comidinhas
Análise de grupo
Saraus literários
Teses
&
Dissertações

Ai amor, que sina!
Ninguém merece
Ler Florbela Espanca e ficar dando choradinhas
Ler Paulo Coelho e dar uma de bruxinha

Já tentei ser crente.
Macumbeiro.
Espírita
E metaleiro.

Já tentei ser wicca.
Fiz cerimônia e tudo
Amigos góticos sábios e precisos
Me disseram que o caminho não era por aí.

Tentei também despachozinho sincera.
Bala juquinha, pipoquinha e fitinha
Na passarela do Columbandê jurei te esquecer
Tranquei caminhos,
Jurei tantas juras
Salvei demandas

Dei meia volta em Preto Velho
Mandei se fudê

Costurei na boca do sapo versinhos de amor
Minha decência
Meu orgulho
Meu desejo

Pra quê?
Pra quê?

Pra nada.
Pra vernissage no vazio
Pra melodias surdas
Pra filmes sem comentários

Pra vida de casado com a tristeza,
só e cruel com ares provincianos
Apostólicos, romanos e por aí vai.

E por aí vai.

terça-feira, outubro 27, 2009

A sonhar com terras livres

Suponhamos então que a minha escrita resolvesse de repente ser aquilo que ela sempre foi e de repente saísse assim com vontade de estar ao teu lado para te perguntar as coisas mais fúteis e sem mais nenhum significado. Pois a coisa funcionou mais ou menos assim: aquele que descia as ladeiras do Pelourinho, com um ar de irrealidade, se surpreendeu de repente com uma canção que inadvertidamente invadiu o seu inseparável MP3, este também amigo de tantas e tantas horas. Descia então o rapazinho as ladeiras com ares de gente comum quando uma voz veio cantando uma musiquinha assim, com uma letra que há muito tempo não visitava seus pensamentos. Era talvez as primeiras lágrimas em território soteropolitano onde cada esquina era pedaço de uma canção já cantada em outro tempo. Tudo dava um ar de lirismo e vontade e desejo que ele escolheu aquele lugar para a sua confissão final, para o send, para o clik do mouse que decidiria assim, o pedacinho do seu coração que ainda insistia em dizer eu te amo.


"e aí, lá de longe, a praça Castro Alves me ofertou, me abriu os braços para as minhas queixas, no tempo em que a felicidade, longe de ser mesquinha tinha nome de gente grande, e ares assim de coisa santa, de coisa real, de coisa inteira, inteirinha. E eu na Ribeira, e eu na Amaralina, e eu no Tororó, e eu no Porto da Barra, e eu em todos aqueles lugares era só mais um de tantos e tantos outros que talvez já saíram lá para cantar, lá para viver... e de súbito toda aquela sinceridade, todo aquele discurso por demais batido me pareceu novamente belo, belo como tudo, belo como a sinceridade jamais gasta, belo como o clichê, belo como a vergonha permitida daquele que se excede, belo como daquela vez em que ouvi da sua voz as melodias das músicas que nunca tinha ouvido e como você cantava bem, e como você cantava bastante bem, se eu soubesse a melodia daquela música do foguete, se eu soubesse aquilo, talvez eu teria chorado por antecipação, não teria me rendido aquele baiãozinho que muito tempo depois me mostrou assim, o amor vazio, o sentimento esse que insiste em bater no nada, na saudade fazendo morada, no tal poço sem fundo.... pensei em poesia, pensei em transformar a dor em muitas e tantas e tantas outras coisas, pensei tanto que me encostei e fingi chorar, fingi emoção extremada e escapei pela Baixa dos Sapateiros jurando que sim, que as coisas um dia sim iriam tomar o seu rumo e tudo iria ser tão feliz, tão lindo que a mera presença, que a mera existência do meu amor já bastaria para acender foguetes e fazer festa e suspirar e dizer no olho que sim, que desde o início aquilo que era pra ser foi"


Quando a felicidade não era mesquinha. As partes envolvidas no contrato da licitação requeriam as probabilidades mais belas, as possibilidades mais lindas. Tudo era potência de existência mais bela. OBSERVAÇÃO : O POETA, cansado de fingir sinceridade, resolve ficar com o dobro do prometido e rouba todos os versos que um dia seriam escrevinhados. Anuncia a quatro cantos, poesias muitas presas e jogadas nos cadernos ameaçados pelo amarelo de tempo, num apartamento perdido na cidade, sábado de sol, verão abrasador, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, sem condição de volta, o tempo em que papai escrevia poesia e as guardava nas gavetinhas, os tempos em que vovô dizia coisas belas das poetas que admirava, o tempo em que meu filho inadvertidamente abriu os cadernos que diziam vinhos de tantos e tantos pesos, que dizia de um dia distante em país estrangeiro, dia de chuva e frio o dia inteiro, dia de outono forte em que o âmago de tudo, em que toda a saudade era a voz de Elizeth a cada minuto cantando e convencendo as dores, convencendo sim, por que não enviar aquela mensagem para aquela pessoa do outro lado por que não confessar o eternal sunhsine of a spotless mind que trazemos dentro da gente, a sinceridade do sonho mais belo de poder dizer que já passou, a vontade mais bela de sair do analista sem reservas nenhuma e ainda assim ter forças o suficiente para jantarzinho tímido amor, como foi seu dia, estou cansado, hoje sim eu quero inventar beleza nos teus olhos eu quero sonhar com o teu sonho, desejar o teu desejo e ir dormir pensando em nada.

sexta-feira, outubro 23, 2009

A Cartomante

Meu nego

Cheguei a um ponto em que te chamar de meu nego me enche de uma estranha felicidade. Uma felicidade tão sincera, pequena e mesquinha como são as felicidades. Chego a banhar-me de ternura, seja ela qual for, ao te escrever meu nego. É que também as poesias têm rareado, tem ficado assim repetidas, de uma maneira feia e carrancuda observando minha mão trêmula. Talvez seja o tempo passando. Talvez seja a loucura cada vez mais se mostrando como amante certa, segura e corrente. Tenho ouvido muitos discos, discos de vinis belíssimos, verdadeiras pérolas perdidas agora e encaixotadas.
Uma vez em Buenos Aires, quando lá trabalhei como hippie envergonhado nos sinais de Boedo, encontrei uma cartomante. Ela trabalhava lá numa galeria em Caballito. Uma galeria sincera e simpática, ares de decadência aristocrática e sinceridade suburbana. Cheguei lá, trêmulo, influenciado por uma amiga que outro dia tinha visitado a tal cartomante. Eu, que não era dado a crenças, a tudo isso, fiquei assim com uma emoção lispectoriana, vontade louca de ver a cartomante, de achar, na minha inocente crença que poderia literaturalizar a pobre cartomante bancando o poeta misterioso. Ledo engano meu. Abri a porta timidamente e fui sentando na salinha para esperar a minha vez. Paguei-lhe os pesos e sentei-me frente a ela que não me estudou com nenhum olhar aguçado. Foi separando as cartinhas, se apresentando brevemente levantando olho nenhum na sua maquiagem argentina. E eu fui me apresentando, falando da minha vida, contando com o fingido interesse da portenha na minha frente. Era o fim da primavera. Sim, o verão se aproximava e eu me sentia tão feliz que até a dor de amor era coisa linda pra se cultivar. Cortei as cartas e ela começou a analisar.
Me disse de algumas coisas, me disse que fortes mudanças viriam. Falou-me de uma mulher mais velha no meu caminho. Falou-me de problemas amorosos inexistentes, falou-me de repetidos chavões que meu lado cético, iluminista, ateu se acendeu contando vitória. Tentei consertar as coisas, perguntar outras coisinhas, mas não deu resultado. Saí de lá envergonhado, frustrado, caminhando a esmo pelo cinismo da Rivadávia. Ao chegar no meu apartamento ao telefone confessei a minha amiga a farsa de tudo isso, minha decepção e a minha resignação ao mundo e a sua realidade.Hoje, meu nego, descobri que talvez não tenha entendido a cartomante argenta em suas colocações, em sua repetição de lugares comuns, de frases batidas e exclamações mentirosas. Quanto a mulher mais velha agora sim já sei quem é, agora sim já vejo e talvez a cortejo de longe, inventando pra mim talvez nova realidade para me embrenhar.
Hoje aqui nesse auge de primavera, pela primeira vez atrevi-me a curtir neo-fossa com o pseudo-bolero La Distancia. Entendi a pequenez de todas as artes, as vergonhas de todas as declarações. Senti talvez o cinismo do próprio cinismo meu que tem freqüentado meus pensamentos. Pensei muito na poesia da Pizarnik e na guerra que acontece a metros de meu apartamentozinho.
Senti-me profundamente triste com vontade sincera de crer em juízo final.
Mas parei por aí.

sábado, outubro 17, 2009

Ao Mosquito do Samba, mascote do Parangolé

Mosquito, o Rio hoje está triste e cinza e eu te queria dizer azulado e alegre

E todo o potencial de toda aquela gente ressoa

Não quero conclusões metafóricas para o fogo que lambeu

Não quero imaginar chama de fogo triste dançando labareda

Vai Parangolé, ser livre e dançar nos corpos que ainda hoje sobem e descem e lutam

Vai você que já não tinha nenhum corpo te vestindo mesmo,

Vai entregue-se ao fogo como quem se dá à vida

Nunca, nunca, se precisou tanto afirmar o seu legado e a sua força

E a chuva? De tiros, de primavera triste, e televisões
(Confessarei uma coisa, isso de ser triste tem realmente o seu charme, como Cecília me disse. Outra Cecília quiçá mais nova quiça mais velha também entendida de assuntos de tristezas também me disse ao pé do ouvido que ela ainda era bem moça pra tanta tristeza e que era pra deixar de coisa e sim cuidar da vida pois a morte podia chegar e nos arrastar por aí sem termos visto a vida e eu te confesso que uma vez sim, eu vi alguém subindo com o violão na mão e eu estava no lindo ano de 2009)

O samba chora o feitiço emperra e a primavera encolhe a alegria indecente escondida tão bem escondida nos olhos daqueles que vêem. (tiros, tiros, tiros na brasa do brasil que queima e arde)

Estou possuído

Esse samba vai para o Mosquito. Sambará ainda?

E se eu achar sincera a pureza na sua origem?

Estou possuído porque me colocaram na corcunda e eu anão vi.
Fênix sorrateira, mentira enganosa, penso nisso. No instante esse que antecede o ato.

Alguém disse que não acreditava em Deus que não dançava

Frase Elegantíssima.

Hoje, dezessete de outubro, eu queria me vestir das palavras que arranquei, nada de despir não.
Hoje eu queria sambinha sincero, climinha intimista, cachacinha e você ao meu lado
mas nem a sinceridade nem a intimidade e nem o amor dançam

DESELEGÂNCIA CRETINA FECHO O PONTO NÃO ENVERGONHADO DE MINHA ÉPOCA DIGO QUE NÃO CHEGA DE SAUDADE DIGO QUERO MAIS SAUDADE DIGO DEUS QUE DANÇA DIGO ROUPA LEVE DIGO DA ADVERSIDADE VIVEMOS

Ainda.

*isso não é texto póstumo é texto de nascimento...
sujo da poeira estetizante ouso escrever “a luta continua” sem eco de auto censura ou pudor de musiquinha antiga

*tem gente sabendo: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/10/16/moradores-do-alto-leblon-farao-protesto-contra-instalacao-do-colegio-espaco-educacao-768095417.asp

sexta-feira, outubro 16, 2009

Ceninha para uma tarde que se fantasiou de alegria

Rio, poeira do tempo:

Ambiente escuro, escrivaninha solitária, spot de luz no ato, mão na pena em bossinha intimista o poeta escreve:

"Baixei a música que você falou. Bateu fundo. Sou tolo ao fazer isso. Mas não posso negar que é belo e tem charminho. E tem verdade sincera, pois dessa vez a música diz tudo. Move o mundo, minha vida e minha loucura. Funciona assim como um eterno espiral, ou então um espelho em frente a outro espelho e vai e vai e vai. É uma dízima, talvez o sentido final dessa minha quixotesca nem por isso burra busca do próprio sentido. ¿Uma cobra mordendo o próprio rabo? Não. Nesse caso há a magia do dois, ainda que ilusória, há ainda vida respirando e céu nascendo em primaveras insuspeitas. E quando a felicidade vem assim mais que clandestina que se faz? Aspira-se a plenitude? Morre-se na canção? Ou vai-se então em assovio, em assovio vai-se até não se sabe onde. Talvez num futuro imaginado isso tudo não passe de peça linda de museu. Um beijo folclórico."


® rêver toute la vie productions

quinta-feira, outubro 15, 2009

Carta às macumbas de Eros

Sexta feira, dezesseis de outubro de dois mil e nove
terras distantes e estrangeiras
eu
Talvez os melhores tempos atravessados sobre a terra... Ah, a contemporaneidade, ah palavra vã, ah aquele que discorre a sua filosofia em qualquer cantinho de qualquer lugar.
Eu escrevo sentado aqui dessa terra calma e tranqüila onde o outono já se anuncia pouco a pouco mostrando a sua cara e esfriando qualquer animação minha que tenha a ver com banho nas águas essas de Oxum gringa
Oxum gringa aqui que se veste diferente mas fala talvez pela mesma vogal a mesma língua que São Jorge, São Jorge este que tinha entrado em conluio com São Sebastião e tinha me prometido meses de felicidades eternas e duradouras em cantinho informal da cidade
Mas não estou no Rio de Janeiro e minhas lembranças de lá doem mais quando já faz novembro e o calor é de matar e aqui a solidão dessas duas margens me deixa assim entorpecido me lembrando de tantas outras duas margens
Quando da vez em que apontei horizonte lá no fundo de perder a vista e disse que lá há o outro lado e cantei para mim baixinho que também havia o redentor que lindo
Ao ler então o Rosa e a sua terceira margem fundi a minha cuca e tive vontade de perguntar sobre tudo aquilo que me tirava a calma
Aí fiz análise por um tempo e descobri que sim, isso quer dizer algo mais distante e mais profundo quando um dia
Eu ainda em terras estrangeiras fiquei a gaguejar em frente ao meu professor que me ouvia interessado a minha apresentação e minhas idéias sobre os Fragmentos do Barthes
Disse a ele que a melhor forma de falar sobre o livro não é cair em análises ou considerações a respeito e sim juntamente com ele afirmar o discurso do enamorado, suspirando na frente do professor suspirão sincero e bonito e ouvindo dele aprovação da minha idéia que se queria original
Talvez então o lance era entregar-se de corpo e alma enquanto havia tempo. Pensar que há muito para se escrever, há muito para se publicar, olhai o exemplo daquele que tinha como sobrenome Soares dizia a voz interior
E então me vestia de armadura para enfrentar o cotidiano e a sua rotina apaixonante ser máquina viver como máquina seguir a vida dessa forma permitindo algumas vezes por mês emocionar-me com canção, livros, teatro e copinhos de cerveja onde então vislumbrava o futuro brilhante a minha frente pretenso Adonis en train de despir-se completamente no leito de minha amargura
Me convenci que o Brasil sim caminhava para uma maior e mais cínica religiosidade inventei passaportes para carimbar pois em terras de senhor sou exilado convicto
Aí vim a ter aqui nessas terras distantes nem Aruanda nem Uruguai e sim areia de praia que não é branca e com muita gente que não sabe de nada
Assim é muito mais fácil país da Cocanha atrevida sonhando com pintangas e com as noites de Salvador onde fui adolescente e poeta chorando de amor após receber a carta que dizia a verdade final antes pudera eu ter queimado como dizia na canção
Não queimei e li até o fim o amor que se dizia findo e com que misto de vontade e ansiedade recebi aquelas lágrimas que batizei com promessa de cachacinha fortuita passando assim pela Graça por Campo Grande descendo a ladeira da Barra para desembocar-me naquele praia do Porto da Barra mesmo onde não tive pudor em sonhar em ser hippie
Lá chorei e enterrei meu coração com promessa futura de visitas intensas
Nem São Jorge é baiano e fala com sotaque de gringo
Nem São Sebastião me mostrou o amor como era pra ser

Leio Ovídio. Como quem espera uma solução. Safo também. Sofro por Abelardo e Heloísa e brinco de Julieta em frente ao espelho.
Momento vai momento vem eu aqui nesse meu exílio penso em escrever carta assim sincera e longa
Então como mulher de Atenas começo a bordar cartinha sincera que depois desbordo em poesias que guardo em muitas caixinhas
Ainda seguirei o exemplo de Ariadne.

Ou então sim, pararei de sofrer, exorcizando e chutando as macumbas de Eros

Nos meus sonhos mais lindos

Declarações a uma manhã que se vestiu de tristeza

Em cada passo daquela melodia ainda sou o mesmo pretenso romântico quase arrependido do quase final da quase palavra que desatou tudo.
Com medo do sem sentido apego-me a fórmulas fáceis como quem se apega a amores levianos e superficiais
Vou me dando conta que no final encontro o sem sentido hermético de qualquer coisa que não seja um amor que não tenha que se diferenciar de paixão, vontade e vida
Encaro essa não certeza como uma falha séria de qualquer elaboração e a deixo escondida em laboratório e vou temperando assim aos poucos nos textos que não acho medíocres e nas declarações que pretensamente acho válidas
Ainda habita em mim o infame ainda apesar da esquina ter sido dobrada já tenho as lágrimas choradas frente ao espelho ofertadas em mercado livre longe de qualquer pretensa inflação e especulação
Até porque o tempo até porque a memória até porque o passado até porque tudo isso tem o seu preço lá fundo como se a nós tivesse sido ofertado um dia uma verdade maior e depois de vista, nunca esquecida, essa verdade ficaria lá latejando
Oh sinal esse de cumplicidade de quem olhou até o fundo o sem sentido e depois ficou marcado assim reconhecendo no outro desejo o seu próprio
Por mais que não, recuso-me em acreditar numa falta de essência seja a do homem seja a do amor, pois se não temos uma corda melhor a inventamos
O homem essa tal invenção, como terminas o teu livro, o homem continua lá bancando a sua essência que sim, tem que existir, caso contrário não choraria ele tais nomes e tampouco tremeria frente à possibilidade do encontro
Ou talvez sim, talvez sim a invenção final valha mesmo o próprio caráter do homem, a sua linda capacidade de fazer sonhos.

Mas sigo negando. Sigo negando o verso.
O dia em que ele calar, o dia sim que ele calar terei me rendido
A tanta, tanta saudade...

quarta-feira, outubro 14, 2009

Carta ao outono que precisa ir embora.

Descobri que funciona mais ou menos assim: eu me tranco no quarto, ligo o som e deixo a dor doer bastante. E dessa vez a canção era a canção mais bela sem exageros comedidos e sem vontade de jogar todas as fichas de uma vez. Era a beleza que se conjugava de forma muito bonita. Pois na canção, um samba – será antigo? Será nostálgico? – falava-se de folhas secas, falava-se de chuva dentro dos olhos, tudo isso, tudo isso se falava. E eu, reles eu, tinha à minha frente o primeiro outono da minha vida ofertado de forma estrangeira e irreal. E me encantavam as irrealidades. Tanto que não tirei foto. Deixei as folhinhas caírem assim na delas, fiz tratos com elas. Elas que de verde forte ficaram verde escuro depois verde embaçado depois amarelado e depois amarelo bem forte. Foram indo. E tinha outras. Outras mais atrevidas que iam num vermelho vivo e também caíam. Tudo lá pra abril. Eu, que achava que o outono era a minha estação preferida, tive a certeza. E sabia que não ia trair as pobres folhinhas. Sabia vagamente que escrevê-las seria uma traição, seria como não mais participar do clube. E agora, agora que sou um estrangeiro eu as escrevo. Lembro que eu saía chutando, todas elas, quando no final tudo já estava realmente no chão. Em poucas semanas tive tempo de ter angústia de ver o tempo passando. O primeiro que não quero último outono de minha vida. E se eu chorava pra dentro, se eu tinha lágrimas era porque não tinha espaço, não tinha email, não tinha coração pra botar tudo aquilo. Aí eu brincava de escrever cartas, escrevia muitas, endereçava e tudo. Tinha poesia, tinha citação, falava de música, falava de bastante coisa. Como se lá fora tudo estivesse parado e uma folhinha, uma folhinha que seja, conseguisse driblar a tal vontade e ficasse parada no ar esperando cair. Isso foi depois, foi depois que eu mandei emailzinho citando a Ana C. e falando sobre a aprendizagem ou o livro dos prazeres. Tudo era jazz do coração, jazz do coração, jazz do coração... E pensar que o outono naquela época ainda era uma promessa tímida que eu apressava atrapalhando as fotos dos turistas na pracinha, a mesma pracinha que me mostrou o amor em outro país em outro mundo. E eu que não sou dado a estéticas neo-realistas nem a som de orquestras corri pra Igrejinha, peito batendo forte, violinos, coração a mil, quase um Pasolini de tanta emoção esperando meu amor ir embora pra poder pegar o bondezinho que me levaria lá pros cantos almagrinos.
Ah, por que escrever a realidade quando ela fica assim com cara de primavera? É que o Henry Miller fundiu minha cuca. De autobiográfico já basta a vida, de plágio já basta a própria criação. Eu sou dado a cirandas literárias. Sarau pode ser brega, mas eu sempre gostei. Principalmente aqueles em que todos esqueciam os livrinhos abandonados no cantinho da sala. Tinha uns portugueses ótimos esquecidinhos que minha amiga ficava lendo sozinha. Ela sabe a verdade. Ela é o quente.
Não transo essas coisas não. Estou muito admirado como o pessoal dos 70 usava a palavra transa. Usava pra tudo! Hoje ela virou só isso. Vou resgatar a palavra transa. Pois então eu transei uma entrevista de Bethânia, engraçadíssima, que ela deu lá pros cantos de 1969. Pro Pasquim. Coisa fina. De rir até não poder mais. É um humor que se está desprendendo. Tenho medo do tempo e o que ele faz com o humor. Enterra. É bicho ruim. Pisa na cabeça da cobra. O tempo é a prova de que Deus é um joguinho na mão do humano bicho gente. Ou o contrário, quem sabe?
Um beijo.
Até o próximo outono.

domingo, outubro 11, 2009

Colombres al 64

A calefação vira inferninho público e eu não vendo drogas, já disse que não vendo drogas, não sou traficante, não as vendo... mas sei cantar as canções do Ben quando da iminência da lucidez embriagada me leve pra casa que quero dormir, quero voltar...
Beber com pouca grana é limpar o estômago para a sinceridade alcoólica. Não gosto do teu fígado e não me apetece vê-lo bonitinho, a gente quer ver ele disposto e cru na mesa rasa.
Gal cantando estrada do sol me leva a Niterói, terra triste e lúcida, irremediavelmente cristã, interiorana, poupando centavos na boca da capital, guardando virgindade já velha frente a Gomorra City Co.
Niterói portal cósmico e fronteira difusa de Norte Fluminense, um pouco de Minas, estado imaginário que se chama cidade pequena e simpática onde o pão chega de manhã sincero e encontra a superfície da mesa sem entraves e suas migalhas se espalham livres e felizes na toalha que se balança quando o gás em botijão se anuncia pelas ruas carnavalizando o interior.
A calefação me irrompe para o momento posterior em que o gás se acende no meu pulmão, quando na verdade ontem eu te fumei passivamente chorando em conta gotas.
E ela ainda não cantou Mãe na tua vitrola e você já se dispôs a abrir as tuas pernas poéticas para aquela melodia inflacionando a tua tristeza, desvalorizando-a irresponsavelmente.
Espremendo do seu olho uma tristezazinha vagabunda e semi-morta.
Entro no meu inferno, ligo a calefação no máximo e me cozinho em banho-maria.
Até ficar no ponto.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Alejandra Pizarnik

Desde esta orilla
Soy pura
porque la noche que me me encerraba
en su negror mortal
ha huido
W. Blake

Aun cuando el amado
brille en mi sangre
como una estrella colérica
me levanto de mi cadáver
y cuidando de no hollar mi sonrisa muerta
voy al encontro del sol.


Desde esta orilla de nostalgia
todo es ángel.
La musica es amiga del viento
amigo de las flores
amigas de la lluvia
amiga de la muerte

terça-feira, outubro 06, 2009

E eu que achava...

E eu achava que nessa cidade não tinha cafés, e eu que achava que nessa língua não tinha o nome daquele lugar pra onde a gente vai quando acha que o mundo é grande demais.
Hoje eu queria fazer o papel daquele que espera. Tinha até o café como cenário. Mas ao invés de maldizer atraso que não existia eu fiquei pensativo com vontade de me calar e escrever bobagens. Recriminei a minha vontade tímida de chorar e a chamei de burguesa. O meu coração, partidão racional deu pra fazer auto-crítica e querer botar altos pingos nos is.
Na dureza do dia a dia pressinto que o Éden vislumbrado talvez seja a imagem que perseguirá a minha existência. Sua busca talvez será um dos grandes sentidos para aquilo que chamam existir. É que as vezes a gente toma consciência das coisas e fica escrevendo essas receitas lúcidas. Serão estes os momentos anti-poéticos por excelência? Talvez sim. Talvez a tímida certeza de pensar estar repetindo-se nas dores, nas lamúrias, nos gemidos e nas palavras. Até nas pequeninas tentativas de absurdo. Esse estágio talvez seja o mais cético, o mais duro de dar a volta. Num repente nos vemos frente a esse desejo tão sincero de esquecer, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Será a volta por cima a superação de tal estágio? Ou será a volta por cima justamente o manter-se nele? Um correr assustado da porta que temos a nossa frente?
Isso soa por demais chato e pesado. E aquele que escreve um texto chato tenta sempre encontrar desculpas para sua chatice. Tentar encontrar desculpas? Talvez. Talvez as tenha espalhadas por aí, na certeza de que escrever é a auto-ajuda primordial esperada. Talvez não.
O quão perversa é a palavra talvez, o quão cara ela é para mim nesse momento. Me acompanhando, sorrindo a minha frente de tomara que caia, lábios provocantes e mãos adoráveis. Mãos adoráveis que pego, beijo e faço carinho. Faço promessa, reclamo do tempo e da vida. Ela, ela sempre tão fugaz, sempre tão etérea, fantasiada as vezes de certeza me vem grave e solene a pedir desculpas por ter feito algo que desconheço. E me diz verdades, segredos e mistérios ao pé do ouvido, me tira a caneta da mão e me pisca o olho.
Hoje eu queria lamentar-me da minha dureza, da minha sorte. Mas ao meu redor eu vejo a grandeza, espalhadinha e escondidinha. E o sorriso da garçonete é uma muleta, uma bóia que me é oferecida nesse meu naufrágio em minhas falsas lágrimas. Ó cinismo, ó verdade, ó escrita! Quando provar-me-ão vocês que aquele que muito se cobre, aquele que muito enfeita e escreve, muito se desnuda, muito se cala frente a tantas palavras?


Rio.


Alto.

sábado, outubro 03, 2009

duas.

Primavera


Você pára de fazer frio
E eu paro de fazer poesia ruim

Você me dá 30 graus
E eu te faço um soneto individual

Você me dá tango sincero
E eu te vomito um bolero.

(Primavera 2008)


************************************

Põe ópera também, com exterior de dia gelado
Me liga no telefone que eu amoleço na tua voz
Teu sotaque é um espetáculo a parte

O resto, meu bem, o resto é tarde egoísta e fria

Teu silêncio berrou tanto no meu ouvido que me deixou surdo

Não te escuto. Quanto menos a mim.
Versos escuros e desconcentrados
Tateiam a sua poética

Mas não há sinal nenhum

(2008)

sexta-feira, outubro 02, 2009

Manuscrito Sincero

Já tenho a consciência da inspiração. (Ainda que fugidia ela as vezes aparece oferecendo-me entendimento com cara de beata resignada.)
Hoje, por exemplo, ela não veio. Eu estava só, estava em minha carruagem, cruzando as paisagens de Misiones, ansiando pelo exagero paranaense para aí sim sentir-me mais perto dos morros e dos mares que me foram assegurados quando decidiram existir este YO que te escreve.
Tal YO, valendo-se das crônicas imemoriais escrita por alguém de nome sombrio, encontra-se neste exato momento sonhando com realidades óbvias que obedecem também a compassos e melodias fáceis.
Pela escrita que me invade eu peço paz. Eu peço publicação! Que se publiquem os manuscritos escondidos! Que se ofereçam aos olhos do meu amor, que se ofereçam aos olhos mais lindos e desconhecidos, pois meu ego eu já o quero prostituído, prostrado no templo do ridículo, débil fiel cumprindo penitência pagando o preço de se jogar no vazio sorrindo, pagando o preço de pegar a leveza no colo e batiza-la de pesado fardo.
Se ao menos me sobra fazer da minha dor um textinho vagabundo assim eu farei, farei questão de fazer arte bonitinha, brilhantina, sorriso, passagem de ida e volta, batismo, primeira comunhão e crisma. Pendurarei assim na parede no almoço de domingo para chorar a minha dor religiosamente e com ela atravessar a dureza dos dias até o outro definitivo e incerto outro lado, terceiro outro lado margem impossível da minha teimosia.

(A partir de este momento o poeta não se vale de subterfúgios pseudo-intelectuais e escreve diretamente ao par de olhos que lhe tirou a calma)

É tu. Tu. E que alegria escrever tu. Ainda que falsa e passageira é um tu verdadeiro. A sua filosofia eu quero comprar pelo preço que for, fazer dela não só o playground do Satã mas também o laboratório do teu acaso. Mentira. Reescrevo o que não disse: eu só queria contigo dar-me o luxo sincero e limpinho de cozinhar-te meu macarrão ao molho de espinafre com uma garrafa de Vasco Viejo. O vinho também é barato, também é vão e me traz a memória a sua feição mais jovem, cada vez mais jovem a medida que o tempo passa, parece que a música do Chico depois do adeus te faz muito bem.
Faltam-me forças,coragem e pudor para seguir a empreitada. Cruzarei a fronteira em minutos. Lá talvez os planos e os bons sensos me farão confessar as tolas razões e dores desse texto que se escreveu.



Enríque
manuscritos perdidos
fim de setembro de um ano perdido

Projeto de Primavera

Torno a repetir queridas pastagens
Torno a repetir queridas paisagens

Que farei assim de Otamendi que farei assim de Avellaneda a minha mais linda e perfeita danação

Que farei assim das árvores tão violentadas pelo outono
O sabor mais forte do meu sono

É que ainda sobra tanto lirismo
E só de saber que a primavera praqueles cantos existe mais linda

Minha Senhora,

Invento a felicidade

Torno a repetir a minha morada lá bem atrás daquele morro, lá bem atrás daquela serra

Lá de longe, lá bem de longe, do deserto, das montanhas, e das dunas e das areias mais belas

Ainda vive o que restou do lirismo
Escondidinho e ressabiado
Derradeira inocência

Tantas vezes intocada.

Tantas vezes violentada.

domingo, setembro 27, 2009

falei.

bicho
posso escrever a porta aberta?
posso mesmo?
posso?

aí vai:

=========== Porta Aberta. ============

Porque do lado de cá o vento também é frio
e a saudade é a mesma

E eu sou o mais feliz dos homens
Ao beijar a tristeza de olho aberto

Cantando teimoso que ainda te amo.

sexta-feira, setembro 25, 2009

eu queria tanto descansar

até porque minha bela fonte nenhuma equivale a nossa destreza a nossa forma pior de transformar aquele tédio em nosso alimento cotidiano, escalando assim na miséria alheia nossos sentimentos mais mesquinhos, dando-nos enfim o direito e o dever de prostar-nos diante do horroroso mar e render glórias e ele. e a nossa viagem poderia ser ruim, voce poderia nao estar feliz e eu poderia desencadear toda uma torrente de pensamentos tristes e velhos que mostravam arrependimentos novinhos boiando ainda na consciencia alheia boiando ainda no sinal daquele mesmo pedàgio com você já arrependendo de ter tomado a estrada a Márica, até a tua Ponta Negra onde vestias o mesmo uniforme de um biquini, um maço de cigarro na mao, livrinho vagabundo na outra, besuntada de óleio indo assim gastar o tempo no lado de fora da casajá na beira do mar o dia inteiro indo com o seu mesmo radinho ligado cantando os teus sambas de bêbados, apaixonados, macumbas e paixoes torrentes.... Indecente! Indecente você que sabia chegar de Maricà como quem chega de um monastério com armas assim para enfrentar aquela perigosa estrada chamada rotina, chamada consciência mais pura e bela dela.

Eu nao quero me arrepender de você.

(Por onde andarà essa a quem escrevemos?)

Fragmento de dia e de ano, numa vez numa tarde numa bela cidade cheia de sol de um lugar daí alguém largou a cantar versos lindos e perversos e amorosos e chorosos e esse largar verso deu origem a um sorriso purinho desses perdidos aí numa dessas janelas desse meu ser tao agradàvel e solene, e esse alguém que aí se perdeu e esse alguém que é táo belo eu sei que está aqui dentro, eu sei que está aqui dizendo me procurando me encontrando, pois entao, esse alguém tao belo disse que hoje eu tinha que me enfeitar direitinho, água de cheiro, perfume, sabonete pois ele viria me buscar para uma festinha, surpresinha íntima, festinha de criança em que eu ia chegar assim ostentando a minha verdade tao protegida e os convidados da altivez de seus copinhos de plastico iam se questionar a existencia alheia de tantas criaturas continuadoras daquela loucura.

Aí voce tirou as sandalhas, fico descalça assim no paralelepipedo da velha cidade e largou a sambar no compasso de um surdo atrevido que já se anunciava no final da rua... é você, tao indecente, reivindicando o tempo das suas escapadas e sacanagens, OH SER! OR VIDA! NAO É O AMOR QUE MOVE TUDO ISSO? DEIXAI-ME ESCREVER A VERDADE... aí vinha a bichinha toda preparadinha, toda arrumadinha entoando cânticos afro-brasileiros-baianos já batendo palma e indo pegar o peixe e a felicidade que diziam que a baia tinha. (Eu particularmente lá chorei de amor e fiquei feliz por chorar de amor na Baía que tanto admiro, a minha oferenda pra tanta verdade tentada).
E ela aqui ainda ressoa dentro de mim pois os meus sonhos que estavam congeladinhos dentro de mim lá derreteram e se fizeram homem forte, verdade, carinho e luz. luz dura. POIS É CHEGADO O TEMPO DA ANUNCIAÇAO. Nao me fale daquela transiçao de uma da tarde para quatro da tarde quando o sol já era outro amante, talvez décadas mais velhos, mais experiente, sereno e intenso a te beijar a pele de outra maneira e de outra cor.

Talvez eu desista! Talvez eu desista de ser brasileiro assim tao de repente. Talvez eu desista um dia e cante a letra de pra dizer adeus rindo de verdade. Eu senti que fantasiar-me na cidade essa tao grande, em tarde de carnaval e pensar ainda em voce com cachaça nao me deu a vontade suficiente de desesperar-me. talvez seja lindo assim quando os pensamentos e as paixoes intensas entrem nesse estágio de vida artificial de estrela distante ana e cheia de grandiosidade. e essa saudade era tao terna mas tao domesticada já que pensar em voce me provocava nada menos que uma pura e sincera felicidade. era talvez aquele o sentido final do tanto amor, do amor demais, o do senhor estou desesperado, o senhor tudo é pesado. E subia a ladeira da cidade pensando assim e já sorrindo registrando a minha felicidade na latinha que tinha brilhando o sol das dua tarde na minha mao, um amigo do lado e um sorriso jovial na minha frente a me dizer bastantes coisas que eu quero escutar. ah, meus tempos, meus tempos em que nao se desistia e todos os livros vinham escritinhos certinho com ponto e vírgula e um tempo também outro em que as verdades indecentes me eram escondidas e eu acreditava piamente na imagem serena da cidade a noite.

Um terreno qualquer de Maria Paula lá praquela década, lá praquele mesmo lugar se batia tampor e se comia pipoca e refrigerante apostando felicidade....


Quando Oxum proclamou a sua independência de condiçao baiana ela foi viver um tempo na fronteira do Brasil com Uruguai pra poder acertar algumas coisas que ficaram pendentes.
E todo domingo de manha sua prima maior acordava cedo e ia conferir se a felicidade sim tinha se anunciado na janela e tinha se feito gente pra ela poder tocar.
A prima maior que acordava cedo somos eu e você e todos os seres deste lindo velho mundo.


Ela vinha na praia. Ela ficava na praia. Deixando assim o copo da cerveja meio enterrado na areia, abrindo o isopor, pegando gelo e refrescando o corpo sambando para os olhares gringos e alheios e mostrando e medindo o desejo nos rapazes ao seu redor. Ela tinha a lua ao seu lado e também controlava o vento de sua saia e de seus clichês escondidos no caderninho da sua bolsinha roxa deixada também perto do isopor de gelo.
Ela ficava até mais tarde e sambava mesmo, ria e no final mesmo com o sono repetia a frase, ajudava na bronca da mae, limpava peixe cantando a sua condiçao tao triste e tao ideal e sorrindo no fim mesmo sorrindo.
ela vinha me proclamar exorcismo de tantos pensamentos, acordava cedo, estendia assim na beira cada pensamento, cada fantasia mais íntima cada momento masi seu
e assim em séria ia proclamando o suicídio, coagindo sucicídio nos pensamentos inseguros na beira do pensado e do feito.
eu também me atrevo, eu também e porque nao ainda me dói a ma, ainda dói a minha verdade vacilante que foge para a sua aldeia deixando nada atrás nao, nem mulher bonita pra me receber nos braços, abrindo-me os caminhos no seu ritual todo dia tao egoista e vem vem devagarinho pois Deus já tinha dado bençao demais e ficava me cantando Pontos de Caboclo, coisa light, sem medo algum, canta-me pois eu quero a minha Jurema nua também e nem um pouco arrependido de ter mordido a maça dos cristaos tao insossa tao verdadeira louvada seja as minhas letras, pois eu sentia medo daquela voz dela cantando e advogando tanta coisa pois linha branca linha branquissima ela ia saltando de coisa em coisa.

Lágrima serve pra quê entao, mulher se a nossa luta ainda nao tinha sido feita e voce se atrevia em dançar buscando refugio nesse monstro da sua voz da sua postura tao forte e o que a gente faz com isso a gente escreve ou deixa secando lá fora, a gente já tem a mao um pouco cansada e a gente vai ficar agora olhando deixando o sonho levar a gente sem saber de nada sem saber de tudo

lá na minha casa do meu interior eu to fazendo coisa ruim e to ficando calado podendo falar, vamos cantar a fome? VAMOS CANTAR A FOME?

E se a gente falasse de FOME hoje?

Vamos bordar a palavra fome em cada palavra em cada letra em cada pensamento ainda temos a frente a fase em que a gente se converte pra essa forma de gente tao bela e tao sincera...

Mais um flash de pensamento em que você nao queria sair de casa, queria ficar em casa dançando sozinha nao sei porque dizendo que as suas primeiras leituras lhe eram poder demais intensas e ela tinha que ter mais tempo pra ela mesmo.

Meu amor foi no vapor. Foi com a luz apagada de Sao Jorge. E eu dei as costas antes. Porque fazia um pouco de frio.

Eramos NAIF

Minha querida

Posso te contar uma verdade que agora me incomoda o peito?
Temo esta verdade não ter nome, nem palavras nem endereço. É talvez lembrança. Lembrança fajuta, repetitiva, linda e por demais bela.

Lembra daquele verão em especial em que você se arriscou demais?

Tudo tinha começado mais ou menos assim:

Você meio de longe tinha me prometido a vida na sua mais pura essência. Tinha muito peixe e muito coentro no nosso amor.
Coentro demais.


Um pedaço de lembrança se oferece a caneta

Coentro, coentro, coentro,
tinha muito coentro no nosso amor
no nosso tempo
na nossa vida

você vinha da praia tão desligada do absurdo da vida
tão sincera
tão sem saber nada

que eu me apaixonava por cada sorriso teu
e eu era homem tolo e achava que o tempo ficava atrás na coxia

eu mal pensava que um dia teria a minha mesa vazia
uma caneta indecente
e um papel obsceno

e o seu rosto doendo nos meus olhos
e as suas metàforas ardendo em meu làpis
e a tua poesia sincera batendo a minha porta

(eu então tinha decidido comprar aquele disco com as músicas do Agepê que você mais gostava. atè aquela em especial que você cantava fechando os olhos jogando os cabelos pra trás repousando assim seu corpo no meu dizendo que te faltava ar.)

ter vergonha ao teu lado era o que mais me fazia bem
eu poderia de novo me oferecer pra te levar a rua do Mercado e te comprar aquela saia que tanto querias
ou então rir pela vigèsima vez da sua mesma linda piada

ah, por que você?
me diz por que você?

Me ajuda a pagar a conta de tanto repetir a mesma canção no rádio, a tua, a tua mesma
cada palavra daquela música tantas vezes cantada por ti
me são raras e íntimas filhas pródigas que alimento no inverno de hoje

fonte
ser
pureza
cabelos
orvalho
sutileza


ah, deixa eu te escrever um pouquinho mais antes que o próprio mundo resolva ir embora também sem dar as caras sem telegrama e sem email
deixa eu te escrever minha querida enquanto minhas palavras ainda ressoam no teu mesmo ser no teu mesmo perfume

posso dizer o teu nome todinho assim da silva? posso de uma vez por todas dar nome ao teu fogo?
posso de uma vez por todas escrever como você é, trazer para os meus versos teu olhar tão normal tão sincero?

e assim talvez ter a coragem de escrever a sua calcinha esquecida na perfeição da minha àrea dos serviços mais ignóbeis?

e terminar assim o ùltimo espasmo solitàrio deste verso sem tua presença

não. não quero e nem posso.

quinta-feira, setembro 24, 2009

A primavera chegou

A primavera chegou


A primavera chegou
Mas as flores que trazia
Houve alguém que m'as levou
À minha campa vazia

A primavera chegou
E com ela seus perfumes
E porque te acompanhou
Vieram os meus ciúmes

A primavera chegou
E entrou nas minhas veias
Com sua seiva criou
Amor nas minhas ideias

A primavera chegou
Raios partam a primavera
Que fez de mim o que sou
Que deixei de ser quem era

(Amália Rodrigues)

esboço

"Todo junho tem um veranico esperando por você."
Roteiro e Direção : Henrique Campos Monnerat


Personagens:

Sara - A menina-mulher. ("Era verdade que Sara era doente")
O Poeta - Ser etéreo etílico estilístico (as vezes assume identidades dos outros personagens)
José Carlo - Arquétipo típico do bom sujeito
Maysa - Cantante do tempo
Narrador - Aquele quem vos escreve
Henrique - Personagem alter-ego
Condessa de Marília Paula - Personalidade ilustre do século XIX - presente em flahes backs e carne e osso.

Trilha Sonora :

"Fica comigo esta noite" - Samba canção de Adelino Moreira e Nelson Gonçalves - (Versão que tem um quê de tango)
"Pela Rua" - De Dolores Duran e José Ribamar - Cantada pela Maysa
"Por Enquanto" - Renato Russo - Cantada por ele mesmo
"Vamos Fazer um Filme" - Idem
"Depois É Só Chorar" - Geraldo Vandré - (Música pseudo-incidental ouvida ainda na cama antes da partida do poeta no amanhecer)
"Canção do Mar" - Cantada pela Dulce Pontes - No início do filme, antes da chegada do veranico.
"Chão de Estrelas" - De Silvio Caldas e Orestes Barbosa - Cantada pela Maysa e interrompida pelo narrador pseudo-diretor.
"Tristeza de Amar" - de Geraldo Vandré e Luiz Roberto - Cantada pelo primeiro.
"Rosa Flor" - Geraldo Vandré. - Cantada por ele mesmo.
"Senhor" - Opereta em Português cantada pela Condessa nos anos 1870 e pelo poeta nos anos 2000 - De composição indisponível.


Espaço e Tempo

Objetivamente: primeira década do século XXI com incursões em outros tempos. Locações: Estado do Rio, na capital e no grande Rio. Niterói - Tomadas extensas. Saída do Poeta de manhã cedo decorando canções como "Depois é só chorar". Para cenas da Condessa, lugares como Maricá (Estrada Velha), Araruama e o restante da região dos lagos. Cenas na capital paulista. (para tomadas da cantante do tempo) Passagens em Strasbourg, França. (tomadas sonoras feitas de saudade e tempo). Tempo específico: Junho (junho arquétipo pré e pós anos 2000, antes ou depois do aquecimento global)



"Todo junho tem um veranico esperando por você"



"Sempre torci o nariz pro sub surrealismo"

"No ar parado passou um lamento, riscou a noite e desapareceu"

Entre brumas e trevas tudo é silêncio que podemos tocar. Espreitamos a meia noite de longe. Esperando aquele que vai chegar silencioso. Num som de uma música, num eterno crescendo.
Tum, Tum, Tum...
E já nasce da manhã um tempo que é o veranico. Aquele que só nasce nessa época do ano.


Era verdade que José Carlo era doente.
Naquele tempo todos trazíamos no peito algo maior que o mundo. Uma vontade de vida que não tinha nada a ver com o que fazíamos ou escrevíamos.
Ou falarei eu, ou José Carlo.
Chega um momento em que somente um deve falar. Um confessar a falta do outro. Ou enumerar as aventuras de vida, escondidas em pequenos meses - quase um balanço da poética:

José Carlo troça troçando a frase de Henrique "Talvez eu tenha encontrado a abstração maior. Foi bom ter te encontrado. Vim contigo na cabeça o tempo todo, o tempo todo.”.
O pior de tudo confessam os dois, foi ter encontrado na rua um homem que trabalhava e que disse ser poeta. Era um segurança de um restaurante chique na avenida atlântica. E era um poeta que nunca tinha mostrado a ninguém o que escrevera. E guardava todas as poesias na gaveta e dizia com uma autoridade quase divina: "Eu sou poeta".
Pensei quantas gavetas ele poderia ter e o que poderia escrever.
O tempo em que fomos artistas. Trazíamos todos algo no peito. Algo que não sentíamos e não suspeitávamos. Ou falarei eu.
Ou Zé Carlo.
Confundir é a única regra que existe.
Segundo o entendimento que tiverdes.
Até esse livro, tão misterioso que atraso a leitura.
Para outra explosão poética que ainda não experimento. Mas fico com suas frases e seus plágios. "Frente a ti meu carinho é pouco. Meu amor é ralo frente ao teu olhar e a tua proteção que me faziam ter vergonha de existir"
Rio de Janeiro. Tempo de pedrada. Avenida Atlântica. Embalo não 71. E sim 07.
Século XX is dead e você vai ficar aí parado?
Vais jogar xadrez na penumbra vendendo sua arte vendida e seus sabonetes que mais serviriam para perfurmar tua podridão.
Não há banho todo dia.

- Pausa para o aquecimento global.

Aquecimento global impera. E meu novo século já começa com vontade de terminar. O mundo está entrando em greve, ninguém sente isso? O mundo vai entrar em greve. Não é essa ignorância desses religiosos imbecis que falam de fim de mundo toda hora e nesse papo escroto de juízo final com palhaçada de estrela cair e toda essa macaquice enfeitada da bíblia. Falo sim em mundo acabar por razões humanas, por estupidez e ganância.


Enquanto isso José Carlo ama.
E me repreende por atacar o messianismo dos religiosos.
Tudo bem cara, desculpe. Desculpem-me.
Ela voltará. Aquela que roubou teus versos na praça escura. A Sara. (Era verdade que Sara era doente)
A minha praça.
A minha mesma praça idealizada no fim do verão de 2005 quando o mundo entrava em assembléia final.
E os pepinos brotavam tão férteis quanto o falo primordial. Da minha terra que fiz questão de conhecer seu cio antes de começar a desandar.
Fiz questão de conhecer o inverno também.
De ver o que é tempo e terra.
Porque tá acabando tudo.

Foi o último verão normal.
Aquele de 2005.
Depois tudo começou a ficar estranho.

- Renato Russo cantando "Por enquanto"

-Nas ruas de Strasbourg ecoa a canção "Vamos fazer um filme", depois do almoço de domingo típico da Alsácia.

Adoeço na voz daquela mulher que é feita só de embriaguez de amor, mas de amor, cara, compreende, ela tá ligadona, apaixonada na dele e ele nem liga. Mas a culpa é de quem? De ninguém, por isso! isso é absurdo, mas se liga cara, o que ela faz, ela transforma aquilo que ela sente, numa coisa linda demais, puxa cara, como é que pode, é de arrepiar, que porra é aquela, como que ela consegue, mas assim nem eu, nem eu, eu também vou chorar junto com ela, vou chegar lá, amigo, dizendo e beber com ela, e compreender e falar e rir, pois assim é, escuta, ninguém canta como ela, ela é o próprio sofrimento personificado, pois acho que estamos juntos e não vou desperdiçar essa pira sem dizer isso pra ela, acho sim que nascemos carimbados com qualquer coisa que não sabemos, e cara, olha só isso, olha o que ela tá fazendo, cara, ela tá ainda no final dos anos 50 e o mundo pra ela é toda uma promessa bonita, pode deixar não vou estragar nada, só quero me aproximar e bater um papo com ela.

- Naquele tempo todos trazíamos no peito uma máquina de escrever sofrimento -

Ou tomarei eu a fala.
Ou Maysa
Confundir é a única regra que existe. Segundo o entendimento que tiverdes.

Então vamo lá, no ar parado ficou um lamento. Tá tudo bem. Imagino um frio. No ar parado PASSOU um lamento. E pra onde foi? Sumiu, tá eu entendi, mas o que vem depois? Vem chão de estrelas ou zinco furado. Ou lua cheia que já tá triste, não não dá pra botar a porra da atriz pisando nos astros. Muda essa cena. Na minha vida, tem uma saudade grande que soluça as vezes. Isso!!! já que não temos lua cheia faremos tristeza com escuridão total. E na escuridão total tanto faz o beijo ou o lamento ou o choro, tanto faz o corpo tanto faz. Tanto faz isso Tanto faz aquilo tanto faz dez minutos atrás. Tanto faz teia de aranha.


- Naquele tempo todos trazíamos no peito um livro do Augusto dos Anjos -
Ou tomarei eu a fala.
Ou a Condessa de Marília Paula.

- Altiva, com seus vestidos da década de 1870 chega a Condessa já com seus quarenta anos se aproxima e começa a cantar uma opereta em português.

"Senhor, senhor, meu coração eu te dei
Senhor, senhor, todo meu corpo te dei
Senhor, senhor, contigo me deitei
Para uma noite apenas
Para uma noite apenas
Senhor, senhor, depois não voltaste a mim
Senhor, senhor, e hoje eu choro
Senhor, senhor, quero te acordar o povo
Senhor, senhor para deitar contigo de novo"

Não bastasse o absurdo da letra cantada pela Condessa em época tão remota, lembremos da cena que vem depois do fim do filme quando o poeta sai de manhãzinha de uma casa qualquer após uma noite de esbórnia. Ele vem, caminhando, já com tudo decorado. A mesma canção que cantava a Condessa há mais de cento e cinqüenta anos.

E eu fui andando pela rua escura para poder chorar. Depois de ter sido beijado por alguém que eu não gostava. E chorava por não compreender que nada podia fazer. E eu lavei minha boca na boca do meu poeta. Cheguei e pedi um beijo escuro e triste e continuei andando pela rua escura agora com um coração dentro do trem interior esperando o ônibus e contando e decorando os minutos depois da frase que fiz para o poeta.

Ou tomarei eu a fala.
Ou o poeta.
Confundir é a única regra que existe.
Segundo o entendimento de merda.

Novamente vamos para a segunda cena. O poeta está ouvindo "Fica comigo esta noite" e tem um quê de tango. Escuridão. Lua crescente ou minguante tanto faz. Não, existe, tem diferença, mas não interessa. Depois do beijo forçado ele procura o outro poeta. Antes de esperar o ônibus após o beijo decorando a noite passada.
Um ninho de tristeza veio se aninhar.

Ou tomarei eu a fala.
Ou a fala me tomará em goles profundos.

E eu me deglutirei num êxtase louco.
Serei engolido por mim mesmo. Como aquela figura da cobra que morde o rabo, assim mesmo.

Poeta solene declama texto solene em noite solene em vida solene em situação solene em viadagem solene:

Das tuas costas fiz o mapa da minha perdição
Me guiei por teus olhos para me perder na tua mão
Para me viciar em teu corpo
I would like to kiss
Você todo.
All of you.


Naquele tempo todos trazíamos no peito uma vergonha imensa de ser jovem.
Eu odeio a minha juventude.
Eu tenho horror a minha juventude.
Asco.
Ojeriza.
Nojo.
Pavor
Então a carga de ódio, ódio superior.
José Carlo posando de constante, tentando apasiguar a situação. de amigo boa pinta diz:

"vá procurar algum trabalho. É só pararem de abandonar poesias lá."

Ou tomarei eu a fala. Ou ou narrador.

A Condessa de Marília Paula morreu. Todos sabemos que morreu. Ela morreu em 1924.
Com 97 anos.

"No ar parado passou um lamento. Riscou a noite. E desapareceu.
Depois a lua ficou mais sozinha. Foi ficando triste e também se escondeu"

Nããããooooooooooo! Pára isso.
Stop. Isso aperta o stop, o símbolo quadrado. O símbolo universal do stop.
Como assim. Como ela vai pisar nos astros, nas estrelas salpicadas. Meu filho, meu filho, aquele nível de poesia ninguém consegue, agora você só sente cheiro mas não provarás de cabrocha nenhuma salpicada com pequenas estrelinhas. Já já te digo onde vai estar uma das estrelas. Qual classificados oferecendo putas em nossos dias.

Continua:

"Na minha vida uma saudade meiga soluçou baixinho
No meu olhar um mundo de tristezas veio se aninhar
Minha canção ficou assim sem jeito
Cheio de desejo.
E eu fui andando. Pela rua escura pra poder chorar"

É aí que entra o poeta triste ouvindo o fica comigo esta noite com um quê de tango esperando lavar a boca na boca do outro poeta na noite ou no escuro da noite. Na praça que já não é mais de Zé Carlo em seus últimos dias antes de fechar.

Ou tomarei eu a fala.
Ou Henrique.

Confundir é o único produto que existe.
Segundo a promoção que tiverdes.

E a cena termina no começo. Quando ele começa a decorar o poeta. Para encontrá-lo no dia seguinte. E no outro dia consumar a paixão. Os créditos chegam botando banca incomodando a todos que esperavam ansiosos o que poderia acontecer dali. E atropelando os créditos entra a música da Maysa que por sua vez é atropelada pelo silêncio atordoador que é muito alto, alto demais. Tão alto que todos saem tapando os ouvidos. E são muitos os que entram em coma de choro profundo. De êxtase orgiático, em comunhão com qualquer coisa que nos é estranha. E depois, está consumado o qualquer coisa que se pensou.

Estou cansado

Estou cansado

Estou cansado

Estou cansado

Porém cansado

Contudo cansado

Todavia cansado

Enquanto cansado

Sempre cansado



Cultivo a minha cultura de buteco



Bebendo-te aos goles arrependidos e amargos.



Te tenho em cartao postal que admiro



O amor é um monstro que criamos em nossos coraçoes



Eu nao quero saber de nada.

Já nao preciso de til

Para nasalar minha vida



Eu, eu, eu, eu, mira

Estou enamorado

(25 de Julho de 2008 - septiembre 2009)

segunda-feira, setembro 07, 2009

Araketu en Esmeralda al 900

E como vivia já há mais de trinta anos naquela terra, as suas referências não se prendiam a muitos preconceitos bobos que ainda existem em matéria de música popular. E eu me deliciava nessa idéia, no seu gostar de ensinar, no seu português com a mesma malandragem de sempre. Ela, ela que viveu lá pros cantos da zona sul há mais de 35 anos e quando lá voltou não se reconheceu viu que a sua dor não tinha nome, cidade, país nem endereço.
E dispunha assim na mesa o repertório das canções que todos iam executar. Passava de Lígia de Tom Jobim a Caçamba do molejão num lindo piscar de olhos.
E eu estava lá, forasteiro do forasteiro, fingindo-me mais brasileiro exercendo brasilidade ao contrário, sentado na minha poltrona assistindo a apresentação do grupo mais avançado que já não mais beliscava o pandeiro.
Os primeiros acordes, o ritmo, o primeiro verso me coçaram na cabeça canção que conhecia de longe, talvez outro achado, talvez outra música livre dos preconceitos, sendo executada assim em toda a sua beleza. E a identificação maior na letra, mordendo o lábio para não chorar, vontade de sair e ter os pés nas ruas que tanto me abençoaram. E de novo, a recaída fatal, o apelo insensato aos vinhos de dez pesos e aos ouvidos alheios, je suis trés melancolique, brincando de melancolia saía cantando tal linda canção arrependendo-me de nada, consciente do absurdo da vida e da beleza maior adivinhando caminho, adivinhando penas, adivinhando reencontros, adivinhando futuras felicidades, tomando altas pílulas do já passou, agora eu sou sentimental ao extremo e não me comedirei antes do ridículo, quero o ridículo com tudo dentro, quero assim, zen, na calma adivinhar em apartamento alheio, em conversinha íntima escutar que o adeus é uma mentirinha e que tudo foi uma linda pausa na maravilhosa idéia do existir ao teu lado, no maravilhoso verso da coisa que mete medo pela sua grandeza pelo seu absurdo pela sua grandeza, ah se eu pudesse, mais forte que pretérito imperfeito é esse pretérito que termina com esse, cruel, magnânimo, irônico e extremamente traidor da poesia mais linda, da mirada mais linda do "eu queria ser bem mais..."

quinta-feira, setembro 03, 2009

Meu Setembro Querido

Meu Setembro Querido


Eu tinha te prometido muitas coisas. Tinha te cantado em muitas músicas. Tinha te relembrado e te vivido em muitos lugares. Já não quero questionar mais limite algum. E nem crise de hábito de exposição. Ser filho de seu tempo demanda paciência e não sei o que mais.

Ser franco para contigo não sei se basta. O que fazer quando a caneta antes mesmo de escrever já busca mentir a minha mão, a minha cabeça fervilhando?

Eu tinha te prometido mudez. Resolução íntima! Não mais escrever. Tinha pensado em forçar silêncio, em retocar a maquiagem da Tieta, em demorar-me muito praqueles cantos. Inventando os mais lindos caminhos, as mais lindas trilhas. Mas oh! - Pobres e felizes daqueles que descobrem tais momentos de desencantamento... – Quanto esforço desprendido em vão. Quanta verdade ainda me resta em escutar Simone no youtube, quanta verdade ainda existe em lavar na pia os discos que o cupim quis levar. Que ternura bela, que coisa de menino, de gente assim.

Querido Setembro, hoje foi o dia mais quente do inverno. E eu chorei antes. Nas duas da tarde. Chorei o tamanho da intenção, o meu gesto que levaria a chorar minha tristeza numa Bulgária fria e solitária. Chorei o meu desmomento. Tudo isso eu chorei.

Mas para quê? Se a minha dor nem consegue bancar silêncio, fazer fita, pra dar o charme do tempo passado? Seria infame de minha parte proclamar-me um herói vencido. Caro Setembro, a intenção é longa mas o texto tem que ser curto. É que tem gente me ensinando a rir alto. Ela, que vem de gente tão bonita, ela que botou a mesa, estendeu a toalha em toda a baía para eu me sentir em casa. Logo eu, filho pródigo, buscando o novo, reconheci o quanto a novidade pode ser também vazia.

Setembro, antes de eu conhece-la, antes mesmo de conhecer também o lindo par de olhos que tanto penso, antes mesmo de conhecer a própria beleza, eu andava nas ruas do Rio com a minha timidez niteroiense. Contava tempo e dinheiro para sonhar com céu estrelado, com tangos sinceros. Assim tão avaro, assim tão severo não vi a beleza por ser ela tão grande a ocupar o mundo inteiro. Quando ela veio, veio tão linda que me marcou com um beijo sincero. Quando ela foi embora pensei saber lidar com a cartilha do desapego, com a tabuada dos sentimentos. Ledo, vivo, e belo engano.

Setembro, pense comigo como são as coisas. No meu embaralhamento, na minha confusão, no meu gaguejar encontrei quem desafinasse comigo o tal coro dos contentes. Não te ponhas amuado e comemora comigo a minha sorte. Prometi que quando você entrasse uma coisa bela aconteceria. E já tinha gente bela já desperta pra botar a mesa da primavera antes mesmo de você chegar. Mulher com sua dor, tão mulher a me consolar a face, a esquentar o café.

Rio alto Setembro. Posso dizer que sim. Rio tolamente amando, a minha caneta aberta, a vontade, parindo o filho do meu tempo. A Boa Nova que a canção diz atende pelo nome daquela que olha pela música todo o tempo, daquela que de tão conhecedora da dor faz do coro dos contentes linda exceção. E eu quero subir no ônibus com ela. Sonhar toda a vida da janela parando em qualquer ponto.

Hoje já é bem noite Setembro. E eu estou tão vivo, tão menino e tão conciliador. Deixo-te então minha resignação final: não calarei caneta, não calarei cabeça, não calarei coração. O preço é alto. Não pense que disso eu não saiba. Parcelo e pago em quantas prestações que for preciso. Juro pra mim é palavra fina. Pouco ligo e me alegro até. Até me alegro Setembro porque nesse ano a primavera veio mais cedo, com echarpe francesa e um sorriso desses de refazer o mundo.

quarta-feira, setembro 02, 2009

"Porque ninguém vai dormir nosso sonho"

Tá chegando o tempo final. O tempo final para eu parar de escutar no youtube a Simone cantando Muito Estranho. O meu rosto no espelho, a canção pela metade.

Eu só não queria assim. Eu só não queria tanta tristeza estragando coisa bela e bonita.

Eu vou pensar em dias, em dias belos, pode apostar, ficarei pensando assim nos luares mais belos e nos sóis que nos cobriram de luz quando éramos um só.

O tempo não passou e nem eu fiquei olhando na janela
Meu mundo eu quero muito hoje não ontem

Eu te amo porra.

Vou pra não voltar arrependido de tanta beleza
Vou porque por mais cafona que possa soar escolhi o caminho da Horripielândia Patrícia

Vou para quando o dia nublar violentamente
o poema que diz no man is an island me contradizendo
Estando com a certeza da solidão eterna agarrada no colo
mas nem por isso mais triste nem por isso mais desesperado
estarei cantarolando uma canção, a sua, a nossa, a deles
e do outro lado olharei eternamente a outra margem que não é outra senão a minha
no branco mais branco mais branco de todos
no novo mais novo mais novo de tudo
quando a floresta da tijuca se derreter completamente
e o cinza do mar for cínico por demais
acreditarei na nossa coragem de ter sorrido palmeiras e levezas e céus azuis e sentimentos sinceros

com muito amor

a vida.