segunda-feira, junho 05, 2006

Rio de Janeiro 13 de Maio de 1963

Querida Armanda


Não vejo mais nenhuma chance de conseguir te dizer mais mentiras. Resolvi então te escrever essa carta. De uma forma ou de outra. Eu sei que o tempo passa muito rápido e é ele que escorre pelas minhas mãos, pelo meu corpo quando vejo que estou sem você ao meu lado. Eu sei que você não quer mais ouvir todo aquele velho papo disso ou daquilo, mas eu demorei muito tempo para aprender toda a sua técnica. Para decorar todas as tuas diretrizes. Eu sou tão afoita quanto você, mas não vejo chance alguma de te ver um dia mais desesperada que eu. Tudo converge para um grande absurdo sem sentido e eu começo a achar que nem eu tenho controle sobre esse texto. Estou cada vez mais surpreendida por tudo o que está nos acontecendo. Com o que ocorreu entre a gente e isso nem muita importância tem quando estou ao teu lado. É como se toda a melodia do mundo acabasse, todo o absurdo, toda a teoria, tudo o que eu pudesse imaginar derretesse frente ao teu sorriso. Aquele sorriso radiante que me surgiu pela primeira vez há uns anos. Eu que fui falar contigo pela primeira vez e hoje sou eu a primeira a te escrever todas as nossas cartas. Não queria te escrever a lucidez ressentida de um eu te amo, como se fosse a mais equilibrada das criaturas ao te dizer essas coisas. Quero que você sinta toda minha vulnerabilidade, todo o meu desequilíbrio, todo o meu desespero. Esta carta é o meu último ato pensado, sensato ou qualquer coisa assim. Não te surpreendas se um dia vires-me na rua atrás de ti. Se um dia vires-me a cometer algum ato insano ou impensável. Sou eu, sempre a te perseguir, sempre a querer ser tua sombra, ser você, estar com você. Então eu acho que é isso. Em junho talvez eu consiga os papéis que o Jorge estava querendo. Talvez essa seja uma das muitas chances que eu vou ter.
Te amo
Com amor
Helena.