sábado, novembro 05, 2011

a mulher escrita





É claro que a chamada literatura confessional é um erro, uma espécie de aberração perversa e sádica. É evidente que o eu não tá com nada, o eu já não é mais como era antigamente. Antigamente eu gostava de ser mulher de 40 anos com vestido vermelho varrendo a casa nas manhãs de sábado. Mas não. Não há o que a linguagem possa dizer quando o texto começa naquela primeira pessoa.



Cria-se fôlego com as ficções e eu escrevo esse texto no bloco de notas, na secura e aridez que é o bloco de notas, o aplicativo mais sincero do computador.


Não há como escrever a primavera não há como escrever a manhã de novembro nem a incidência do sol na minha janela nem os sons da rua.

panela de pressão chic chic chic chic chic se espalhando pela casa.

escrever com a xereca nos exige calma e profundidade. não existe coisa mais fálica do que escrever com o eu. a mulher tava lá toda escrevinhada, escrota na mesa e isso não era legal esse papo da escrita gineceu da escrita óvulo

na nossa era de pós-pornô, pós-queer é preciso afirmar e louvar a escrita trans, aquela escrita camaleônica e masturbativa

Só a escrita trans poderá salvar a literatura confessional e de quebra toda a escrita realista de seu beco sem saída.


Só a escrita trans arrombará os portões da república e assassinará de vez Platão.