domingo, março 16, 2008

Os monarquistas de Niterói

"Eu vim aqui para fazer uma denúncia. Trata-se de um fato grave ocorrido na noite passada. Eu vi com meus próprios olhos que Deus há de enterrar um camelô atrevido vendendo mercadorias para uma senhora respeitosa.
Ele estava ilegal e eu logo pensei no meu índio viril obediente cristão reprimindo esse criminoso. Araribóia é o máximo. Confesso que caio de paixão pela sua dedicação e sua fé inabalável no poder de Deus. Faria como ele e renderia homenagens mil. Afinal, os tapuias eram por demais enfadonhos e não se rendiam a política dominante. Fato é que tive vontade de esganar aquele miserável. Araribóia substitui minhas invocações fascistas reprimidas que calam fundo. Todo aquele corpo nesse símbolo da operação, esse logotipo, toda aquela truculência tipicamente brasileira você sabe com quem está falando me deixa até excitado. Acho que Araribóia é bicha."

(Emiliano Marcelino)


Venho por meia desta proferir sentenças suaves sobre um texto lido.

Os Monarquistas de Niterói ( que não são os Inocentes do Leblon ) existem e estão estruturados em torno de um conceito ainda não definido. Podemos dizer que são arquétipos de uma classe política repleta de baluartes da cultura niteroiense. Eles fazem parte da Oficial Hight Culture local.
A afamada Academia Fluminense de Letras localiza-se na Biblioteca Estadual de Niterói. Lá, numa sala que teima em prender o tempo pelo cangote, derretem retratos de velhinhos simpáticos e bigodes a mil. Livros nunca deflorados amarelam-se numa lascívia anti-sexual. É uma coisa meio estranha pensar na referência a negatividade do nosso positivismo brasileiro deveras infantil.
Quase que ouvimos os berros surdos e abafados de Parúsias, Procelas e Arrolos mofando.
Enquanto isso, a Biblioteca amanhece defecada pela população que tem sua entrada barrada, seu acesso aos livros restritos.
Fora o tempo em que a Condessa denunciara o mijo no teatro municipal. (faço referência aqui a uma crônica escrita por ela no início do século passado sobre o eurocentrismo decadente inicial do teatro municipal. Quem quiser achar a crônica procure pelo título: "a civilização européia nos deu muito mas me deixou com dor de barriga" - Condessa de Marília Paula)
Hoje quase cem anos depois temos a metáfora viva de uma concepção elitista e megalomaníaca de cultura e sua conseqüência nefasta.
As fezes que circundam a biblioteca desfalecida falam por si só. É necessário um registro sociologizante-poético sobre isso que acontece em tempos atuais.
Os monarquistas de Niterói são pouco para tantas fezes. E eles ainda nem enfezados estão para com o que acontece, para com as doutrinas deturpadoras. Remeto para o poema de Emiliano Marcelino: ("Descubra o católico progressista que há em você e venha conosco desenvolver o Brasil" Piracicaba, 1958) E não há D. Pedro II que os salvará da turba afoita e dos barulhos radiofônicos. Essa gente é perigosa e traz dentro de si os germes da revolução.

Interpreto as fezes humanas como protestos surdos gritados ao ouvido de uma direita pedante que flerta as vezes com a P.Edx e com uma pouca classe de detentores de um pedantismo e uma erudição decadente.

Araribóia está com eles e eles o aclamam herói. A História para eles ainda fede ao positivismo tacanho e imbecil da nossa república velha que nem sequer tocou nas carruagens da monarquia.

E eles ainda acham que os jovens de nada sabem.

Padre Perereca está comigo. Soube por reunião mediúnica que Niterói é um centro cósmico de baluartes falsamente inflados.

Entenderão eles o Manuel de Barros?

Soltará você o Barro primordial em forma de poesia concreta defecando no Vaso Chinês estranho mimo encarnado em biblioteca abandonada pelo poder público?

A turma dos garotinhos cumpriu sua importante tarefa ao desmerecer parte dessa tradição pseudo-positivista-católica-doce-de-abóbora ao trazer a cena a debilidade da religião anti-intelectual.

Sou pela república e nela ponho fé. Os poucos padres desse círculo monárquico não sabem de nada. Deus e Jesus abandonaram a monarquia há tempos.

Li algo do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói.

E me inspirei a pensar a anti-dialética dos dias atuais.

O XIX ainda existia para mim e eu pude tocá-lo e sentir seu corpo e provar de sua pele. E eu que achava que o XX já ia pelo ralo vi que tudo é uma questão de temporalidade conflitante.

Hesito entre os XXI anos de minha vida. "Desde que não consegui dizer que tava com vontade de te dar um beijo na boca estalado." Esboço de uma poesia de José Carlo.

Estou trabalhando no ensaio de enquadramento de categorias sociológicas que permitir-me-ão cientificamente avaliar o nível exato de historicidade que aquelas fezes e aqueles escritos contém.

Espero retorno.