sábado, dezembro 19, 2009

Escrever com olho olhando

Texto escrito sobre as cinzas. Sobre crônica que se apagou. Para onde foi não sei. Prometo aqui abusar das conjunções e deixar a primeira pessoa em seu devido lugar. Aqui só entra com crachá, roupa social e dramas que valham a pena.
Até segunda ordem
Sou-me.
***

A gente quando escreve com olho olhando escreve assim, escreve bonito e formoso, roupa de chita, maquiagem de moça direita e água de colônia para sair assim caprichada na rua. A gente escreve assim, atento às linhas, atento aos sorrisos esses que podem sair pipocando em cada letrinha, em cada frase em cada páginazinha dessas que vamos encontrando no caminho.
A gente então fica assim, resumido a uma linha somente e nego fica pensando que não, nego fica pensando que o cara cresce na linha, nego tá errado, tá viajando, pois o lance aqui é sumir, é descentrar, é misturar mais e mais num caldo desses aí que não sabemos o nome.
Nego fica pensando que tudo é figura de estilo, fica pensando assim bastante coisa e sai escrevendo por aí. É que nego escreve sem olho olhando. Quando a gente escreve com olho olhando a mentira da literatura como vida cai por terra e fica ainda mais mentirosa. Aí vem gente dos mais variados lugares, dos mais variados cafundós, das mais variadas escolas fica repetindo aquele papo de literatura como vida, de literatura como respiração, de transgressão e blá blá blá. Nego viaja direitinho nessa parte porque não se dá conta de um detalhe crucial de toda a história. A primeira linha. A primeira palavra, a primeira letra que chega no papel já chega com cara de cinismo, com cara de tinhoso, com maquiagem de mulher da vida, com vestido curto, indecência e imoralidade. Já pertence ao demo. Nego não percebe que, como já foi dito, a literatura é o verdadeiro playground do Satã. Nego é burro.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Açaí Memories

Querida Decadência

Outubro aguado e insosso esse que nos presentearam hein? Eu me escondi no shopping, templo do consumo, casais maravilhosos de mãos dadas admirando sapatos e roupas e outras coisinhas mais. As mesmas piadas e o mesmo comentário. Por minha parte, atração e repulsa. Entro no shopping escutando no meu MP3 o novíssimo recém lançado disco da Alcione, fingindo inocência e sinceridade.
Uma lanchonete me acena de longe na paisagem colorida e vibrante da praça de alimentação. Pudores benjaminianos me invadem. Abro livrinho e banco o intelectual descolado tomando mate curtindo o som na tv. O show da Ivete que ela fez aqui no Rio. Sim, aquele em que ela está toda de plástico preto. Nunca entendi aquela roupa.
Na leitura, Ana C, my new friend, minha literatura meiga sustentando o meu sem sentido. Mais um daqueles livros que começam numa velocidade estonteante e custam para serem terminados, seguem intensos porém arrastam-se de alguma maneira que não dá pra entender.
Clássicos da Ivete enumeram momentos de minha adolescência: agora com outra roupa Ivete parece mais descolada. Acompanho a canção em interesse sincero. Ana fala em desenraizamento. Apresso a me identificar na parada. Mas curto o momento como um acontecimento sensacional. Alimento fantasias lésbicas com a mega star soteropolitana. Penso na minha monografia e despreocupo-me. Lamento somente o meu desbunde ter chegado tão tarde.
Quem sabe foi lucro.
Pasmo ao ver Ivete convidando o Samuel do Skank. Ivete é realmente o futuro. Digo isso sem intenções humorísticas, sem vontade de soar cool ou in. Fecho a Ana C. e capitulo frente à rainha baiana.
Nostalgias futuras. Sinto-me no limiar de alguma coisa que não sei o nome.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Os êxtases de Teresa

EXERCÍCIO DE ESTILO I

Eu já avisei que não vou ficar aqui bancando o revoltado nem gritando aqui da janela desse apartamentozinho asqueroso fedendo a uma eterna merda assim tapete molhado essa minha tristeza não tem cara de nada nem de indiferença

se ao mesno eu fizesse da minha escrivaninha minha amiga e da música a minha confidente

eu seguiria tal senda menos assim, ferido, ferido

Mas não, aí era pudor para adivinhar ataque de vontade lá do fundo, preparando o terreno para a loucura eternamente domesticada e o meu fascínio quando entrei num hospício de verdade e fiquei falando sobre a loucura, assim viajando, viajando, viajando

a minha boca estava aberta
e a minha cidade se oferecia tão livre, tão bela e tão disponível
enquanto era tempo do belo

da eterna consciência da vida.

EXERCÍCIO DE ESTILO II

Aí nego chega já puto e vai zoando a porra toda e eu disse pros cara lá que da próxima vez ia vir nego pra tirar satisfação pois no fundo mesmo você deve estar de sacanagem o pessoal lá é tudo doido, amigo, doido mesmo, os cara lá cheio dos pó trancado no apartamento se drogando e se comendo você quer o quê? depois saí aí pela rua doidão, boladão, achando o quê? achando que tudo é bonito e que a vida é bela.

EXERCÍCIO DE ESTILO III

A comunhão com Deus. Chegar a plenitude. Considerações acerca do êxtase. Epifania. Paixão. Padecimento. O amor. A via crúcis.

Os mercadores do templo.

Jesus quebrando o barraco.

EXERCÍCIO DE ESTILO IV

Pois também eu tenho o direito de sair quebrando o barraco já que ninguém me entendia, eu não tinha culpa de nada não era eu que tinha uma samambaia no meu apartamento e ficava escrevendo carta para uma paixão antiga e enrugada que morava no Leblon se entupindo de açaí roxo de tanta raiva e tanta desejo e tanta amargura o meu amor bicha velha ia envelhecendo lá indiferente às minhas cartas e aos meus solos de jazz que eu ia lá descaradamente mostrar, ah danação, ah danação, paraíso artificial e eu não comprei livrinho nenhum do Baudelaire na feira hippie, fiquei na praia, lá onde há 70 anos repousavam as dunas da Gal

EXERCÍCIO DE ESTILO V.

Lá em Canaã Abraão abriu
Minha consciência
(CENSURA LOVY BIBLE)

No livro de literatura no êxtase de Santa Teresa
O menino rabiscava besteiras
- Tia, parece que ela tá com fogo
olha a cara dela

EXERCÍCIO DE ESTILO VI

Poeta murcho, açai, pó, gudans contrabandeados de Niterói, guarda biografia da Santa Teresa na mochila

E saí por aí advogando aos quatro cantos

que ela é demais.

EXERCÍCIO DE ESTILO VII

Clichê eterno de terminar poesia com salmo

"Certa vez, estava eu considerando por que razão Nosso Senhor é tão amigo da virtude da humildade. Veio-me logo de improviso, sem trabalho de raciocínio, esta resposta: é porque Deus é a suma verdade, e ser humilde é andar na verdade. Grande verdade é que nada de bom procede de nós, a não ser a miséria de ser nada. Quem não entende isso, anda na mentira."

1a. De Davi
1b. Ó Senhor, de coração eu vos dou graças,
porque ouvistes as palavras dos meus lábios!
Perante os vossos anjos vou cantar-vos
2. e ante o vosso templo vou prostrar-me.
Eu agradeço vosso amor, vossa verdade,
porque fizestes muito mais que prometestes;
3. naquele dia em que gritei, vós me escutastes
e aumentastes o vigor da minha alma

domingo, dezembro 06, 2009

Quando eu abro os braços

Talvez eu tenha consumido o ato final da minha breguice melancólica nostálgica ao escutar hoje aquela canção da Gal que guardava a sete chaves

O tamanho da dor era do tamanho do mundo como abrir uma gaveta daquele tempo que já foi embora e que ficou em cada melodia e cada verso do ar que era novo como o amor que eu respirava e duvidava passageiro

o amor que um dia me mostrou a sinceridade e seu pulso livre de qualquer momento vigilante do desapego do sereno delicado

de repente desnudou-se assim sem reservas e me cantou no ouvido a canção que deu título ao meu amor e que agora estava tão ali, tão disponível,como mais uma estranha

Banquei o ascético e fui agarrando almofada ao som de imãs, sós, olhos, voz e fui deixando surgir na minha frente a lembrança do meu esquecimento mais sincero