quinta-feira, outubro 25, 2012

Muito mais que quatro semanas de amor


De quando é preciso dizer para as letras que não elas não dominam a gente. Isso é voz. Isso é consciência. Qualquer tentativa de lapidação do estilo é uma falácia

Da vez que ela veio aqui pra casa depois quase um ano sem vir ela chegou com um biquíni e uma tanga enrolada na bolsa.

Praia dá um tesão.

Fazia tempo que ela não batia na minha porta. Mas eu sabia que um dia ela bateria com tanga ou não, pois ela sempre volta.

Eu não gosto de escada pra subir não, ficar subindo escada, ficar ouvindo alguém subindo a escada, os passos se aproximando. Naquele dia foi assim, os passos iam inundando o apartamento de qualquer coisa que desestabilizava que me tirava do chão e me jogava num alto mar.

Eu fiquei como o naufrago, nem lutei contra a correnteza e as ondas. Engoli água e apressei o mergulho final.

E quando fui atender a porta já era como uma sereia, uma criatura do mar.

É claro que eu ia botar a tanga na bolsa também. Já no final de setembro comia cenoura todo dia e castigava nas manhãs com cenoura e bronze, dourava os meus pelos e fazia tatuagens de rena.

Ela chegou no final de dezembro. Eu já estava marrom, pele, cabelo, corpo, eu estava pronta. E ela? Ela uma Amazona, uma Tuaregue, esguia, solar.


Durou até o final de fevereiro. Não foram só as quatro semanas de amor de Luan e Vanessa. Houve mais do que isso. Talvez o dobro.

Nos entupíamos de salada de fruta, passávamos o dia a base de sol e picolés, frutas e água. Quando o sol se punha a gente comia comida mesmo.

O seu Cenoura e Bronze acabou e eu ainda tinha. Ainda tem, sobrou.

Foda-se. Vou acabar com tudo nesse nosso generoso outono. Vou é catar conchinhas, essa época dá muita, vou fazer artesanato.

Porque não sou obrigada.

 

 

terça-feira, outubro 02, 2012

Para que servem os pobres? Carta aberta a Amir Haddad sobre assinatura em manifesto pró-Paes.

 
 
 
 
 
     Em 2007 trabalhei como assistente de produção do projeto Memória do Tá Na Rua. O projeto tinha dentre os seus objetivos levantar o acervo de tão importante e longevo grupo de teatro de rua do Rio de Janeiro. Tive a oportunidade de conhecer você e as pessoas que trabalhavam no coletivo. Acompanhei muitas coisas interessantes sobre o grupo, a cidade e o país em que vivemos. Dentre outras coisas, digitava manuscritos antigos, do final dos anos 1960 até os dias atuais. A ditadura militar e todo o seu horror estavam presentes nas proibições e nas perseguições ao teatro de rua. No final dos anos 80 com a crise econômica pude entender como o Tá Na Rua problematizou questões que são naturalizadas na realidade capitalista em que vivemos. Nos 5 meses que trabalhei com o projeto de memória pude antes de tudo ter uma dimensão histórica do que o grupo que você fundou representa. A memória estava lá, presente, nos avisando que nunca podemos só olhar para o futuro e que temos um passado a que devemos prestar contas. 5 anos depois, em 2012, fiquei bastante horrorizado ao ver o seu nome no manifesto de apoio a reeleição de Eduardo Paes. É claro que você tem todo o direito de fazer isso, pois afinal vivemos numa democracia. Não quero que muitos digam que estou fazendo patrulha ideológica. O que quero aqui é desabafar, dizer que é necessário que cobremos de você e de todos aqueles que assinaram esse infame manifesto uma explicação. Será que os artistas do Tá Na Rua, que são o espírito, alma e corpo do grupo concordam com o fato de seu diretor assinar o manifesto de reeleição de um candidato que possui uma política de privatização do espaço público e que já tem 52 % de intenção de voto, impossibilitando a oportunidade de um segundo turno para a discussão de muitas questões? Que respeito temos com a memória do tá na rua quando vemos a política do atual prefeito em relação aos moradores de rua, os usuários de drogas e as remoções injustas que pululam por toda a cidade? O que diremos dos acordos com as empresas de transporte, a corrupção, a milícia? Vila Autodromo, Providência, Pico do Santa Marta, aldeia indígena do Maracanã, Morro dos Prazeres todos eles têm o direito de ouvir uma explicação sua Amir. Os ratos e urubus que não largaram a sua fantasia também. Quem mudou aqui? Tem cultura, Cultura e Kultura. Cultura não é só feito de edital, meu chapa. Com muita indignação e com muita revolta pela memória do Tá Na Rua, eu, Henrique Monnerat e muitos outros, vivos ou mortos, cobramos uma explicação do senhor, Amir Haddad. Venha pra rua, antes que a rua se privatize e o seu teatro seja o único, afinando direitinho com o coro dos contentes. E aí, vai dar um trabalhão pra reescrever a história do seu grupo.