segunda-feira, agosto 31, 2009

Dos Latifúndios das Poucas Glórias I

Ah, mas de pessoa para pessoa eu acho que convém a gente conversar agora nesse ponto que a gente chegou.


As coisas funcionam da seguinte maneira: você vai na frente arriscando versinho e eu vou atrás contabilizando as suas lágrimas e a gente vê no que dá.


A primeira das poesias eu vou assim esticando na ponte os dois lados do seu coração, fiscalizando de uma ilha qualquer o seu atrevimento.


A segunda diz de um futuro não tão distante onde você apressada nos dias nublados de inverno passava com o coração aparentemente sossegado pela janela que dava para o lado da rua.


A terceira dizia talvez o que nunca foi dito.


Ah, mas é que ouvir nessa noite aquela cantora tem um preço que eu não estou disposto a pagar.


Dá-me um navio para zarpar


Um navio para ficar.

Cedo ou tarde.

sábado, agosto 29, 2009

Os versinhos militares

Façamos valer a palavra que a direita gosta. Sua nova xodó recém-esquentada-seqüestrada. Façamos depois de 200 anos ela aproveitar seus últimos momentos com a vovó antes de ser emancipada.

E como comemoração a essa despedida avant-lettre da democracia do jugo da direita publicarei aqui versos militares recolhidos por mim em pesquisas anteriores.

Afinal devemos honrar os versinhos militares.

Honremos a pátria escrevendo poesia para o Brasil. Edificando um país grandioso unificado pela cidade de Deus. Santo Agostinho delicia-se na poesia fácil que lê lá do alto.

Os militares fazem a pátria e também fazem poesia.

Hesito ao dizer que repudio em muito a poética aqui aprensentada. As vezes a espontaneidade me aparece num sorriso natural que até esconde um sentido macabro. Preciso dizer que todos têm direito a exposição de suas idéias e poéticas.
O único local em que impera a liberdade
É talvez a poesia antes de virar poesia


"Deixar-te-ei levar a Minha Cruz;
a Minha Cruz implora a Paz e o Amor"
Vassula Ryden

Um Preâmbulo interessante:

“Jacira, menina de 11 anos de idade, acaba de fazer a sua primeira comunhão em Cristo! A pequena indiazinha de pai desconhecido, vive com sua mãe Jandira, que por sua vez, leva uma vida desregrada, dividindo seu corpo de rapariga entre os homens da cidade de Deus, estendendo a todos o que lhe resta ainda aos 23 anos de idade...
(...)
A menina Jacira segue os conselhos da freirinha Lorena, de origem portuguesa e inicia o aprendizado em costurar pequenas peças do seu vestuário! A velha máquina de costurar “Singer”, vai servindo à comunidade indígena dentro do conceito de solidariedade iniciado pelo Jesuíta Hans MULLER, ainda pronunciando vogais trocadas do vocabulário da língua portuguesa!
O momento é de preocupação para a menina que cresce dentro dos padrões de moral e respeito em virtude dos ensinamentos recebidos de pessoas, como: o Jesuíta Hans MULLER, a freirinha Lorena e o médico Paulo Roberto de Alentejo, este último, filho de portugueses. A volta de Jacira ao final de cada tarde à casa de sua mãe Jandira, - de má reputação no núcleo de assoladores da selva amazônica denominada cidade de DEUS – só lhe tem trazido desconforto moral!(Luiz e Dilma Faggioni ; in: Vestígios da Liberdade)



E agora, manuelcarlocizando a parada, mais um trecho interessante:

“O parque da cidade acolhe as crianças, acompanhadas de suas babás, na parte da manhã, sob o sol brilhante da primavera recém-chegada!O sol desce sobre árvores frondosas, atingindo em cheio as pequeninas amendoeiras ao desprender suas folhas mortas, fustigadas pela estação de inverno, agora mais distante das crianças, adultos e idosos; visitantes assíduos e freqüentadores eventuais do notável reduto que a natureza proporciona aos moradores da região sudeste, deste país da América do sul” (Luiz e Dilma Faggioni ; in: Vestígios da Liberdade)


E agora, os poetas e os versinhos militares:


“Ó pátria iluminada
Teu breve calor me esquenta
Na imensidão da Amazônia
Eu encontro tua grandeza
Que me cura da insônia”
(Coronel Emiliano Marcelino Cunha P. – Na reserva desde 09 de Julho de 1983)


“Pátria amada
Idolatrada
Salve
Selva”
(Coronel Moderno Gentil de Almeida – Na ativa e com pretensões modernísticas)

“Poderá um dia a vida
A moral
A família
A religião
E tudo que é bom
Fazer o país?
E salvar os nossos índios do inferno?”
(Cabo com pretensões pós-jesuíticas, sem data de nascimento)


"O Bispo Sardinha
Ressuscitarei
Junto com o Padre Perereca
E juntos marcharemos
Com Deus
Para a honra e a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo"
(Padre ex-militar dos rincões do Mato Grosso)


"Viva a índiazinha
Que altiva anda
Vestidinha
A pregar a história de sua mãe
Maria
A abafar os gentios
A dar hóstia em vez de carne
A dar luz em vez de trevas
Salvem minha indiazinha
Freirinha do meu coração
Pois é a ela quem dedico
O frescor de meu coração"

(General Jacob de Assunção – Fevereiro de 1978)



Ponto de vista

Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem sutilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes.

(Generala Leila Miccolis, na ativa desde tempos imemoriais...)

01:26 A.M.

Diário de bordo navegante atrevido

Escutei no rádio que a promessa da águaneve em fim de inverno era mera especulação.
Tive vontade de te ligar e saber novidades pernambucanas. Não tinha dinheiro.
Acordei com uma música na cabeça. Uma música que tem a ver com o Rio de Janeiro. Cantei a música mesmo sem ritmo para mim mesmo e me imaginei mais perto daquele lugar. A música não cita explicitamente o Rio, mas é completamente Rio de Janeiro, da cabeça aos pés, bem mais que Cidade Maravilhosa. Fiz uma coisa muito feia. Menti sobre uma poesia e abusei da imagem da Ana Cristina C. Falsifiquei uma poesia minha e dei o seu nome. Brinquei de ser ela. Nem perceberam.

Não quero mais fazer considerações a respeito do plágio. Quero lembrar do jeito em que comias arroz nas noites angustiantes de domingo. Tudo bem, planos a parte sua vida a minha vida, nossa vida, a gente tem que sair, que fazer, deixa pra depois, a gente faz promessa, vai fazer calor.

E seu elevador sempre elemento estrangeiro me levando para o térreo já madrugada de segunda-feira tenho que dormir mais pois assim não dá, começar a semana assim, namorinho de portão, domingo a noite é demais para uma semana só.
Segunda embaçada de primavera carioca, clima abafado, promessa de vida no metrô, e quando faz duas horas eu quase me arrebento de tanta poesia que meu nariz sangra. Êta primavera seca. Mas não faz mal, não faz mal que a semana tem cinco dias e eu cinco dedos, cinco sentidos para te traduzir.

A música sonhada foi a saudade congelada do Rio. Domesticada para dizer a verdade:

“Dia após dia
Começo a encontrar
Mais de mil maneiras
De amar”

E dois dos meus dedos se atreverão a tocar os seus. Nós somos filhos do nosso tempo. Falo pelos cotovelos pra você, me excedo, mas faço tempo para você falar e se expor e eu A-D-O-R-O as suas respiradas lentas, os seus silêncios repentinos. E depois o seu falar completamente sincronizado, alto, claro, projetado, dicção perfeita.

Hoje vai chover. Deu no jornal. Parece que já chegou o verão.

P.S. – Da próxima vez prometo-te prostituição. De uma vez só. Sem dor e com muito sabor.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Dos mini-apaixonamentos

Mini-Apaixonamento diário

Receita para um bom viver:

Deslumbramento. Pela mão alheia.
Perguntinhas básicas.

Comidinha sincera.

Pequenos caquinhos de cumplicidade.

O sorriso que não para de rir.

Um pouco de tempo, segundinhos a toa.

E quando da sinceridade e quando do amor
Confessar o objeto da perda confessar o objeto da dor

Embalar ao som da canção mais linda o amor que chega afoito na rodoviária no aeroporto na esquina. E trazer assim com cuidado todo bordadinho de clichês apresentando-te aqui eis a minha cidade e quando do amor

Reivindicar para si o caráter de mini-apaixonamento e confessar lá no fim o estar atrapado em sua linha estar atrapado em seus olhos estar atrapado em sua língua estar atrapado em seu sotaque estar atrapado em sua ausência

O cheiro da tua colônia. Aditivo para a desconfiguração de mini-apaixonamentos

Dosagem de sal e de lugares bonitos. Intocáveis. Preservar ou não as paisagens mais belas? Preservar ou não as canções ou os discos ainda intocados?

Toque de mestre, sambinha de roda espontâneo, eternas musicas lindas do Legião, linda voz de linda gente, o amor que já ousa dizer que é Doriana All Happy Day, doriana all happy day enquanto durar a noite enquanto durar o dia enquanto durar a semana enquanto durar uma vida

O último pedaço da torta
A esquina, Novo Rio banhada em lágrimas, um Galeão de desespero, uma barca afundada

A digestão
cautela cautela ao extremo nunca é muito

Render glórias ao meu Santo, ao meu Padroeiro na minha cidade
ofertar flores
poesias
e ligações caras

Espancar o trocadilho que diz a bela flor da poesia

E recomeçar enxugando os pontos, vestindo as lágrimas e inventando sorrisos.

quarta-feira, agosto 26, 2009

C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie

(GUANABARA LOVE ; A PRATA QUE LEVO NO PULSO)

Proibido pisar na grama
legal, legal, legal, legal, legal, legal, legal, legal,

você gosta de sonhar?
você gostaria de sonhar comigo?

você + comigo = sambinha intimista.

(A CASA DO AMOR ; CIUDAD SIN FIN)

C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie
C'est une belle maladie que tu as là, la nostalgie

segunda-feira, agosto 24, 2009

pour Elise

As vezes o verão se pintava de forma rara, se punha melancólico, cabisbaixo, sereno e escondia para si a alegria que tinha e todo aquele brilho no olhar que muitos reconheciam. Nesses momentos o que a gente fazia era sacar a tristeza para passear um pouquinho pelo ar sereno e fresco da madrugada e de mãos dadas a gente brincava de maldizer a nossa sorte, aumentando a nossa angústia para mais apertado ser o abraço.

Aquela vaca um dia resolvera chegar cedo bancando a putona trazendo coisas escondidas e promovendo altas coisas que nos deixavam atônitos e com uma puta vontade de mandá-la para o quinto dos infernos.

Mas cadê que fazíamos isso? Era uma vaca apaixonante, diante dela perdíamos todos os nossos julgamentos, juízos, razões, e tudo o mais e ficávamos a escutar a sua voz ou então nos escravizávamos em pequenas ações como providenciar-lhe cigarros ou agrados pequenos.

Pois então um dia a piranha extrapolou e ficou trancada no banheiro da sete da manha até as duas da tarde confabulando algo que os nossos ouvidos atentos não podiam pescar. Ouvíamos susurros e gestos e uma série de coisas que nos mostravam o tamanho da loucura que ela levava na cabeça. Não adiantaram a tentativa de arrombar a porta e os berros incessantes.

- Pois tu não sabes bem que aquela mulher não sabe o que faz?

E eu mandava pro caralho aquelas palavras de razão e reflexão que Antonio me propunha. Ficava assim enfiando palitinho na fechadura chamando ela de escrota vadia filha de uma puta mal parida e tudo o mais. Cheguei até a cozinhar e deixar o prato perto da porta e talvez passar o cheiro da comida pelo buraco da fechadura mas eu nada conseguia ver e ela continuava susurrando um texto famoso e eu sabia que ela estava fazendo aquilo para algum experimento dela e eu não queria bancar o ratinho a cobaia.

Foi então que resolvi barbarizar e promovi o que encarei como uma das coisas mais subversivas da minha existência.

Fui até a cozinha e comecei a cozinhar o mais lindo dos almoços e botei o rádio no máximo volume encerrando-me na minha própria redoma, fazendo o que tinha que realmente fazer, cheguei a tentar alguns passos de dança e picando o alho lhe disse a verdade que fez com que ela saísse do banheiro, olhares atônitos e tristes e desabasse num choro convulsivo na minha frente.

Era tanta lágrimas que a nossa comida pareceu salgada e o bom que depois do choro dava para gente se tocar de forma nova e descobrir novas zonas de carinho e tensão nunca mais descobertas. Meus xingamentos para com ela mudavam de cor e viravam a mais bela das poesias, a mais bela das declarações para a mais bela das mulheres.
Era verdade que Sara era doente.

Pois bem, tudo isto eu estava a saber desde que cheguei por estas terras estranhas. Pois tu bem vês que o tempo está a mudar e as coisas vão terminar.

Ela gostava de ficar lendo Saramago em voz alta e forçando um sotaque que não tinha. Mas saía sim a rabiscar depois alguns poemas que chamava de poema instantâneo, escritos, lidos e jogados na privada.
"A perfeição e a merda escondem as duas uma semelhança e uma relação profundamente intensa que as nossas faculdades humanas não raro poderão saber." dizia ela.

Pedido

Meu amor
Abro meu livro e penso que tudo escrito tá tão bonito
Tenho vontade de fechá-lo e guardá-lo
Longe da poeira e do tempo

Do tempo! Nem do tempo eu me atreveria a zombar
É que tem feito tanto frio que meu nariz arde toda vez que respiro fundo
E a minha poesia auto-ajuda tá perdendo a validade

E tem me saído tão difícil descolar um verso da prosa que fica me puxando

Acho que são as conjunções novas que aprendi
Chiquérrimas que só elas

A sustentável leveza da minha caneta
Golpeia o papel virgem e mudo
Minha alma tá vomitada no breu
Das palavras que não entendo

De resto é livro complicado
É gente que não entendo

A minha poesia brigou feio com os outros mundos
E saiu sozinha, colar forte, vestido rasgado
A caminhar na rua, rejeitando ajuda

O que te peço é que não te preocupes
Se por acaso encontrares com ela, loucamente insana
Diaba revoltada, fúria arrombada

Finja calma e lhe mostre o caminho da salvação
Imponha-lhe sessão de descarrego em dose tripla

Abrindo-lhe as portas do seu coração.

domingo, agosto 23, 2009

Enchantée

Para ser lido ao som de "Coração do Agreste" (Moacyr Luz e Aldir Blanc) interpretada por Fafá de Belém.

http://www.youtube.com/watch?v=k33E1C5YqW8



Eu, Tieta do Agreste, certifico, lavro e dou fé na minha decência.

A minha Santana do Agreste já não respira mais o mesmo ar. De novo, toda novinha, toda velhinha, toda santinha me quer receber com o mesmo olhar com o mesmo carinho.


E meu cajado, meus cabelos grandes e o meu desejo são grandes demais pra ficarem assim juntinho, quietinho na Igrejinha de Maria Paula.


É que me mostraram tantos paraísos...


E foi mais ou menos assim.

Eu vi a foto que dizia berço esplêndido onde dormia morto o meu Brasil.


Mas como boa devota que sou


Insisto nas minhas rezas até o dia do amanhã.

E ganho de presente a quase tijucana

Dos seios perdidos.


A dor irás mensurála nas letrinhas que te escrevem

Assim calmamente, pois por aqui também já passou sexta feira

E Santana do Agreste se arruma pra 2º festa de Maria Paula

Com roda gigante, barraquinha e labamba


As desculpas a Tieta aqui joga atrevida lá na baía

Pois lá não mora o amor a dor a flor nem nada


Quanto a dançar.

Eu também não.

Nem Marina

Nem Vanessão.


E sobre o carro vermelho

Aposto tudo e encho o tanque

Cheque especial

Bolsa do cnpq


Dá pra chegar até lá pros cantos de Sonora

Ou Terra do Fogo

Que tal?


Eu, Tieta do Agreste

Exagerada

Descomedida

Não sei fazer verso pequeno

Nem poesia torpe

Nem haikai


Eu, Tieta do Agreste

Quero você antes do almoço

Quero o paraíso com tudo dentro

Quero o juízo final sem juros

A volta do Messias

O reino dos Céus

O seu decote


Era uma vez um moço bonito


Assim tão moço assim tão bonito

Era uma vez ele todos os dias


O cigarro que ele fumou

E jogou no chão do meu quarto

Denuncia a sua presença


Sim, menina


Copiar e colar figura de linguagem

Minha primeira metáfora

Para dizer meu desejo

Fumando-se assim


Sem cobra

Nem paraíso

Nem inferno.

Águas de Março

Esta carta tem trilha sonora de fim de verão. Por que não? Eu sempre fui muito alheia à frieza dos emails e de seus excessos de informalidade. Não que eu seja a formalidade em pessoa – isso tu bem sabes- é que me faz falta sentar, pegar a caneta e escrever-te longas cartas, observar o traçado da letra nos distintos momentos da folha, os erros, as belezas intrínsecas de cada letrinha, enfim, estas coisas...

Pois então, os dias aqui tem sido úteis para mim. Tenho me fechado algumas horas por dia e pela noite ando cultivando uma vida social fenomenal. Estou irreconhecível. Dias desses lembrei-me do dia em que te encontrei naquele bar no seu aniversário. Você tava assim tão solene, tão arrumada para a sua festa que eu achei aquilo tão terno, tão sincero que enchia a ocasião da mais alta importância. Os olhares que a gente havia trocado até aquele dia não passavam de pequenas brincadeiras, um meio que gostar de longe. Mas a partir do momento em que me sentei, meio forasteira, naquela mesa de bar ao redor de teus amigos, me senti como que iniciada. Lembro que se ouvia Cartola e você me dizia sobre a genialidade do cara como se ninguém já tivesse dito antes. Lembro também que você falou um dia que a Aline Barros ia se revoltar cortar o cabelo e ia cantar aquilo que você chamava sem nenhum pudor de Sapa Music. E eu ria, e eu ouvia, me encantando assim pouco a pouco. Não sei se você já reparou, mas nesses momentos a gente se prende em coisas como copo de cerveja, o tempo, o garçom. Essas coisas. Experimente só. Aí no Rio mesmo. Tente prestar atenção nesses atozinhos aos quais nos entregamos. Você estava fazendo 25 anos. Isso de 25, fechadinho, talvez tenha contribuído para o tom solene da ocasião. Talvez o fato de se tratar de seu primeiro aniversário nessa terra que você tinha escolhido para viver. Te confesso agora que sempre adorei esse seu sotaque de fora, meio amineirado sei lá. Me deliciava com as suas vogais e o seu sorrir depois de algumas palavras, meio que cúmplice das coisas ao meu redor. Baixar os olhos era fatal para mim, a essa altura já embriagada de tanta beleza. Como se não bastasse você levava o cabelo solto – coisa rara naquele tempo. O seu vestido mesmo, naquela altura estranho pra mim, já começava a me conquistar.

Não te peço aborrecimento nestas linhas, nem tom apocalíptico, saudosista ou boêmio. Estou fazendo justiça ao nosso desencontro e meio que me sustentando aqui nesse lugar onde estou. Já te adivinho talvez um pouco impaciente, confirmando previsibilidades. E no sofá da sua sala sentada não largando as folhas da carta, conferindo remetente, fazendo buf com a boca. Mas eu digo que essa carta é antes de tudo uma celebração.

Celebração essa que me inspira a lembrar-me daquela noite do seu aniversário. Era no dia em que começava o inverno. O mais estranho era que a noite estava agradabilíssima. E eu estava perdidíssima naqueles tempos. E te via assim como uma ilha, um refúgio. E foi justamente naquela noite que você como ilha me fez continente e me permitiu assim adentrar em território alheio. “Pedimos a conta e vamos” disse você que era o verso mais lindo da literatura brasileira. Sei que vais agora estar rindo de minha metáfora incompleta. Desgraçada! Mas era mais ou menos isso, aquele papo de dizer que no man is na island, essas coisas aí.

Ah, Letícia, porque o futuro foi tão escroto com a gente? Eu tô um pouco puta, sabia? Nos dois sentidos dessa tão rica palavra. Sou uma puta ao quadrado. Estou ficando meio católica – medo! – nos últimos dias. Sei lá, tô ficando cheia das viadagens, admitindo até a palavra promiscuidade no meu dicionário. Palavrinha essa que sempre tinha mandado pro inferno.

Dias desses, pegamos aqui um barco pro Delta, eu, duas amigas e a turma do Francisco. Fomos para uma casa um pouco longe da cidade. Churrasqueira, cerveja, céu lindo, calorzinho gringo aguado. Chegando no lugar já fui ficando de ovo virado, meio totalitária me arrependendo de tudo. Tava tudo uma merda, a cerveja, o pessoal, a comida, a música – a música! Oh, que horror, não agüentava mais aquelas músicas. A própria língua foi me dando nos nervos. Fiquei lá mais de uma hora tentando catar uma bendita música da Aline Barros pra mostrar pro pessoal e a merda do computador emperrava. Aquilo foi me dando nos nervos e eu fui tomando um pileque brabo. E saí gritando pra todo mundo ir tomar no cú, fui falando mermo, no português mais sujo que possa existir. Dei barraco, mostrei a bunda e falei verdades inconvenientes. Caí num porre moral filho da puta. Na volta não consegui olhar pra cara de ninguém. Tava toda fedida, molhada, queria tomar banho e dormir de lençol novo. Lá pra Retiro começou a chover e o ônibus demorou horrores. Foi mais ou menos depois desse dia que tive umas recaídas meio católicas. Comecei a admirar freiras. Como são especiais as freiras né? Cheguei a pensar em ser freira, só pra vestir aquela roupa e preservar a pornografia do meu corpo a sete chaves. Comecei a pensar nisso depois que conheci aquela estatua que você me mostrou no google imagens do êxtase de Santa Teresa. Achei tudo tão lindo. Sabe, acho a fé uma coisa belíssima e há algo de brocha naquele que não tem fé. Acho que a fé existe e a gente tem que direcioná-la para o lugar que a gente quer. Seja pra Deus, pra alguma causa, ginástica, sei lá.

Depois desse episódio infame fui me recompondo. Telefonando, escrevendo mensagenzinhas, mandando beijinho. E fui me ajeitando. E você me era um pensamento distante. Até o dia de hoje em que acordei com o seu nome na boca. E resolvi te escrever, assim fisicamente, com folha, caneta e esforço da minha mão que observo agora, com suas unhas roídas a segurar a caneta. Engraçado que a caneta parece ter vida própria, parece dançar para o meu olhar, que atônito vê as palavras se escreverem assim tão rapidinho.

Letícia, filha minha, meu coração ta inchado de saudade. Saudade boa, saudade ruim, saudade. Odeio esse papo de falar que saudade só tem no português. Acho uma breguice que só vendo. Tô com nostalgia, sentindo sua falta e também te desejando. De longe, na espreita. Não sei quando nos veremos nem como estaremos quando nos encontrarmos. É que hoje fiquei ouvindo Miles Davis com whisky Hiram Walker 9 pesos, bancando a intelectual lendo Daniele Steel. Achei tão linda a imagem que tive vontade de tirar foto. Daí acabou o Miles Davis e eu botei o Cartola pra cantar. E justamente na quarta música deu o click e lembrei de ti e do sonho que havia tido. Tudo ficou tão claro que me senti cúmplice de alguma coisa que precisava dividir contigo. E tô fazendo isso. Te amo um bocado, sabia? E tô deixando a saudade em banho-maria. O tempo cura tudo, mas tem sido um médico meio sacana pra mim. Tá de greve. Não sei como essa carta vai te encontrar. Espero que bem, feliz e radiante. Deixo aqui os mais sinceros beijos e abraços. Espero a sua resposta.

Com carinho, demasiado carinho,

Maria.

sábado, agosto 22, 2009

A outra do outro do outro lado.

E se eu escrevesse que lá no fundo mais belo a recíproca sempre foi verdadeira? E se eu confessasse a emoção da surpresa, da verdade mais linda que as palavras ainda reservam às pessoas? E que me reservaram aqui nesse agosto um pouco perdido, um pouco pesado, sempre irreal. E a incerteza me responde que ainda é possível ser feliz em agosto, ainda é possível recomeçar a mesma linda canção que diz tantos nomes. Ainda são possíveis os boleros mais insuspeitos, ainda são possíveis Las Cumparsitas.
Mas como são visíveis, mas como são claros aqueles que no fundo ainda cantam a mesma linda canção! Nas tantas lindas outras margens, nos tantos lindos outros portos... Mas como ainda é possível repetir os mais lindos momentos e inventar reconhecimentos nas paisagens mais belas, nas chaves mais secretas. De abandono macio levo no peito a paixão fulminante. Levo sim fantasiação de um dia vir a ter contigo assim em outro porto ou em outra barra e perguntar sua opinião sobre a fórmula "rêver tout la vie".
Mas, minha menina, não pense em derrota não, não pense em chuva nem resignação. Também tive sexta feira a noite ao som da Warwick cantando Walk on By. Também tive. Talvez também burro, talvez também resignado, driblando a gramática pra escrever uma mensagem que se entendesse, pra escrever lá praqueles cantos, lá praquela chuva, lá praquele inverno, lá praquela outra língua.
Mas não somos nós deixados não. Somos todos deixados, somos todos a noite em claro, somos todos fragmentos que vão do a ao z. Vão de Ana C. Vão de tempo de guerra. Vão de turbilhão. Vão de outono distante, vão de saber já olhar o Rio por onde a vida passa. Vão de tudo isso.
A mim me resta e custa decorar, olhar o comecinho.
Hoje o meu sábado ainda é sexta. E Warwick ainda não me enjoa. Ouça. Te peço. É um porto a mais.
E meu otimismo insuspeito é medicina diária.

Eu e você, assim talvez no mesmo aquário que de tão grande é do tamanho do mundo.
Quantas 9 de Julio ligarão então nossa dor?

Quem nos fala?

Meu Querido.

Hermes
(Porque tu barca tiene que partir...)


O inverno tolerável ao meu outro lado da baía me repete a linda nova ladainha

Noite Ilustrada canta o meu sentimento nas estrelas pois visitei a beira da baía

Dia desses

Lá, naquela mesma árvore
Havia um coração partido.
Pintado em liqued-paper

(E nenhum vestígio mais da noite que ali dormiu)


Sinto em mim o borbulhar da caretice
Mas não relaxo não.

(a ponte parte meu coração)

É que foi tudo muito sincero
E conjugar assim no passado põe melhor
A minha loucura a conta gotas
O meu navio me esperando

Mas o Marina me observa
A minha passagem
O meu convite
O meu amor

Naquela penúltima
terceira
margem
do outro lado

do meu bom senso.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Momento.

O jogo final advertido e instantâneo se fazia luz

Quando você da penumbra revisava os cadernos

E as folhas em busca de algo



E eu atrás fingindo desinteresse

Cúmplice das tuas noites de domingo

Jogando mais uma dose goela abaixo



- Ah amor! Faz isso não que a vida é uma só.

- Ah amor! Que tô cansado de eternidades.



Vem, me dá a mão que a gente reinventa rotinas

Primavera, verão, primavera, verão.



No final sempre nos resta o mar ao longe

A música e a nossa fome



Que mais a gente pode reclamar

Ao Deus feio e mentiroso

Que você um dia me revelou?

quarta-feira, agosto 19, 2009

Confissões de Adolescente

Carinho

Diante do anúncio da sua partida fiquei um pouco triste. Por vários motivos te poderia dizer. Mas é que agora eu me sinto assim tão particular para te dizer realmente. É que naquela época eu não passava de um mero rapaz aposentado pelos meus sonhos. Me lembro perfeitamente o quanto me parecia belo escrever textos que pareciam fim de romances, que pareciam desabafos. E como os escrevia com uma certeza bela! Como o bater dos dedos no teclado me saía lindo, me saía verdadeiro! Aquilo sim era de verdade o auge da minha juventude como homem ou também como cinicamente uns chamam poeta. Foi a partir dos vinte e tanto – ou trinta e pouco? – que comecei a ter vergonha dessa palavra. Senti uma certa suspeita, um certo retorno à adolescência, mas desde aquele momento escrever poeta me parecia muito pesado, me deixava assim com a certeza mais cínica de fraude. Até então ainda não tinha lido um pessoal que viria a dar corpo à essas minhas suspeitas. Foi então que eu resolvi buscar o silêncio maior, uma espécie de religião ao contrário, uma vontade de inventariar os absurdos diários em minha ilha que não passava de um kitnet na Avenida Rio Branco em Niterói.

Mas tua partida no dia de hoje me deixa assim, me deixa assim tão a vontade para pegar no teclado e seguir batendo o meu texto.

Agora fico eu bancando o sério, sem música alguma, tentando adivinhar o horizonte, tentando adivinhar distintos outros lados para o meu corpo que se inquieta.

As chaves continuam lá.

quarta-feira, agosto 05, 2009

À tua presença

Ah, doce mistério do Rio, ah, doce mistério do Brasil, como te pensar, como te ser, já que dessa vez não tem volta alguma que valha o meu desespero e o meu desencontro.

Perdido estou, achando-me aos poucos. Achando-me aos poucos, fazendo de Love’s Hou minha morada final, fazendo dos meus planos a garantia inicial.

Uma elegia para as suas pernas. Uma elegia para as suas mãos.

Não capitular, diz a voz final. Não capitular e levar a sério.

Alguém aí, um cigarro, um verso, um sorriso um aperto de mão.

Eu só não quero encontrar Jesus em qualquer esquina por aí. A noite é de verdade uma criança só os inocentes de Icaraí não são mais os mesmos. E as roupas, e as pessoas e as lojas. E tudo isso.

Loucura a conta-gotas: a partir de agora, da terra da psicanálise á terra do futebol, olhais as bananeiras do caminho, era essa a sua sina, nada de conflitos pois os tempos são outros, cala-te e resigna-te ao reino dos céus que desceu sobre o Brasil nova antiga China as coisas estão mudando.

Mas antes disso, antes disso terei eu a coragem de dizer o que verdadeiramente sinto?