sexta-feira, outubro 24, 2008

Amor, baixou a Ângela Ro Ro no meu quarto de uma forma tão louca que foi difícil romper a aurora do dia. Tranquei-me com medo de tudo e de todos e me quedei com a sua voz ouvindo e escutando canções e pensando – ela está viva! Ela está viva! Não há alegria maior em pensar que a Ângela está viva e eu também.
Nessa noite angelaroroniana recontei muitas coisas e desescrevi muitas verdades enquanto o sono não me assaltava e ritmo nenhum me trazia a cadência do eterno silencio, da petit mort, ou de algo parecido. A mesma velha garrafa vazia dos treze pesos trazia-me a estima de uma vida sonhada ao extremo.
A Rua do Riachuelo é sempre um milagre, havia escrito uma vez Gonzáles em seu glorioso tempo boêmio quando a Lapa realmente vivia seu momento mais decadente. Fátima, Fátima, me dê teu asilo por uma noite, escrevera ele em outra novela que nunca ousara publicar.
Me lembrei do Gonzáles e da Ângela pois tinha lido o Sofrimentos do Jovem Werther e tinha pensado num lapso de segundo uma espécie de suicídio ao contrário que consistiria em pequenas petites mortes, algo meio francês pra lá de chique, psicológico, literário, coisa fina. Nada mais velho ou mais novo que masturbação fora de moda, massagem de ego, descentralização do sujeito ou coisa parecida.
A hora mais doce e mais cálida da noite é aquela em que se perde qualquer noção imbecil de temporalidade ou da pequenez do dia seguinte. O existir não passava de uma primeira violência já dizia o pequeno rapazinho na catequese do bairro, onde titia do papai do céu se incomodava com aquelas perguntas. Não só não fiz a crisma como pedi formulário para o cancelamento do batismo que me calcinou a pele, me sujou da vergonha de um cristianismo triste e pesado que desabou na América trazendo coisa ruim, gente morta e muito sangue.
Memórias e fragmentos como estes se faziam alegres. E tinha que ver você como o sol nascia e se desnacia, como verões se faziam, noites de primaveras apressadas, manhãs orvalhadas e úmidas de junhos anteriores ao aquecimento global vinham para minha mente estalando azulidade, estalando verdade, coisa estranha, força esquisita.
E como não pensar na sesta? Como não pensá-la escrevendo o desenho de sua imagem e de seu calor das duas da tarde onde a pior hora se impunha para o solitário da casa, aquele que não tinha o sono e que via o tempo congelado no mato de fora e a melodia de vida meio natureza morta enquanto todos dormiam e o tempo quase parava, se arrastava lento e cínico. Só lhe restava compartilhar suas experiências com as formigas, com as plantas e com a descoberta do mundo do jardim ou do corpo ou das primeiras leituras fortuitas e pornográficas. Harold Hobbins lhe caía bem, literatura fácil, com capítulos pornográficos e indecentes. Minha parca cultura clássica se encontrou com Satíricon e com muitos outros que chegaram para a fazer a festa enquanto o calor derretia as horas.
Repeat All, o rádio dizia, obrigando a pobre Ângela a repetir o seu disco, cansada, desminliguida, quase tímida e sem voz.
Buenos Aires na primavera é um arraso. Lera Antônio numa tarde de maio um fragmento perdido desses de gaveta em uma tarde de fim de século. Havia muita coisa de interessante acontecendo em muito pouco tempo enquanto lá fora o frio já não convencia ninguém de nada. Tremera o pobre rapazinho ao sentir as verdades daqueles versos dúbios, ignorantes e deslumbrados. Era tanta falsa intensidade que um verdadeiro terremoto lhe assaltava enquanto prosseguia com os olhos a devastação do texto apressado escrito a mão num tempo já antigo.
Saiba que o dinheiro que eu ganho é pra desmentir qualquer lógica e que nada disso vale nada enquanto ninguém veio. Sacrifico o meu cordeiro, ejaculo pra fora, mas por favor, me venha com a dor em gotas leves e suaves que enquanto há tempo há salvação. As folhas das árvores estão verdes, mas tão verdes que eu não me agüento em si e tenho vontade de beija-las. Por hora não faço nada. Aguardo a tua resposta e teu abrigo no leito do teu silêncio. Buenos Aires, dois mil e alguma coisa que eu não sei e não me atreveria a dizer, assim estava assinado.
Não me atreveria a dizer pois veja bem você a mentira que me caiu bem! A mentira me caiu tão perfeitamente bem que saí por aí desfilando verborragia implícita, descascando a casca do castelhano, cozinhando em boa maria um francês cheio de efemérides. A vida era tão mas tão passageira que lhe chegava a ser estranha, indiferente.
Sim, te juro, a minha vontade é renunciar a cada palavra e beijar o mundo. Desnudar-me por inteiro, tirar o casaco primordial e te contar besteiras ao pé do ouvido. Para isso começarei com doses anti-homeopáticas de tédios emocionantes misturados ao contrário do meu bom senso.
Te juro, a história começava mais ou menos assim:

domingo, outubro 05, 2008

Nossa Senhora do Buen Ayre

Se voce vier com lágrimas
Eu venho com o dobro
Mas te adianto saudade
E choro contido
E beijo partido
E bossinha

Mas se voce vier com lágrimas
Che que onda
Eu venho com baldes e faço valer a cançao

Sem abraço na intençao

Que se yo
Tangozinho insípido desce cortando a garganta
Desce sangrando seu sambinha

Nossa Senhora do Buen Ayre
O que passa é que o tempo passa
Dá-me sorrisos pela rua
O quanto antes

Amém