segunda-feira, novembro 29, 2010

Meu querido

Quando pensei que o tempo se apressou assim e mandou a chuva apagar todas as suas lembranças, um certo arrepio me percorreu a espinha. É que passei os últimos dias a secar as cartas de amor que consegui salvar. Os cadernos de poesia, todos eles guardados, viraram uma massa informe onde cada letra se borrava assim num mistério maior. Daí eu dei pra ir atrás dos sentimentos, das saudades, das louvações mil que existiam. E ao meu redor a dor era mais alta, e pedaços de papel eram nada frente às bocas que se calaram e aos sorrisos que deixaram de sorrir.
Havia então um poema, uma carta de amor, escrita no verso de uma folha impressa com poemas da Florbela Espanca. Quatro poeminhas, quatro sonetos assim bem arrumados, quase rasgados. Ainda se lê os títulos: Alma Perdida, Noite de Saudade, Cinzento e Anoitecer. Quatro. Penso na Florbela enquanto escrevo estas linhas, penso no tempo passando, penso nas folhas que um dia imaginei amarelas, penso na ideia da perda seja ela como for.
Alguém assinava os poemas. Alguém de Passo Fundo. Um autor qualquer, que escreveu um poema apaixonado qualquer. O único que foi salvo, o único que experimentou assim uma segunda chance ao secar no sol de domingo toda a água que o encharcou.
"Penso talvez que o estar contigo é o estar comigo
Que me encontro nos teus olhos
E me perco no teu adeus"
E por aí vai, a gente não escolhe o que a gente deixa para eternidade, a gente inventa, a gente finge que ela existe, a gente deixa passar. O silêncio, meu querido, esse sim é para sempre, esse sim é eloqüente. Quando a terra engoliu tudo não se ouvia nada mais que o silêncio, silêncio de verdade, silêncio sem contrário. E quantas cartas de amor enterradas, e quantas cartas de amor seriam escritas por tantas e tantas mãos que já não escrevem mais, quantos e quantos eu te amos foram assim calados, quantos versos assim jamais escritos e sempre imaginados?
Quantos?

terça-feira, novembro 16, 2010

A prostituta babilônica

Viva a prostituta babilônica engajada na reconstrução de sodoma e gomorra, levantando, sacodindo a poeira varrendo lott pra debaixo do tapete, fazendo a messias, canônica até a raiz da alma, toda trabalhada no apócrifo, escrevendo em latim frases de amor em frontes de anjos recalcados, sobre pedras e montes sinais edificando o seu grito, o seu uivo, o seu outing, ancestralidade divina, vovó de deus, lendo santo agostinho em luxúrias de apartamentos solitários da Barra, meia luz, samambaias, bossinhas, espiritismo light, new age, apocalípse, notícias de israel, triunfando na batalha, zen-budista, santo daime seguindo nenhum deus, neopetencostal que só ela, em línguas estranhas escreve poemas simbolistas em banheiros públicos chorando qual criança, soluços, esperanças de domingo a noite, bíblia gasta, lida, relida, comentada em busca da salvação, a melhor empresária que já existiu, investe em ações, evangelizadoras, consoladoras e avassaladoras.

terça-feira, novembro 09, 2010

Escutemos ao que Angola tem a nos dizer.

Escutava a canção Angola cantada pela Mart'nália enquanto caminhava pela Gavião Peixoto em Niterói. De repente fui acometido por um profundo sentimento de pertença à algo maior que superava qualquer definição de brasileiro, angolano, moçambicano, português. Não quero incorrer naquele papo de que somos todos irmãos numa linda harmonia pois a história nos mostra que as coisas não funcionam assim. Mas sim quero enfatizar essa ideia de pertença. É o mar, o mar que nos une. E que sim, tenho uma ligação com Angola e seu povo, com Luanda, com a sua história. E um compromisso (que poderia dizer político mas é mais que isso) em divulgar em muitos espaços a maravilha das letras de um Luandino, de um Pepetela, Ondjaki, e todos esses escritores desse país. Angola tem muito a nos ensinar. Aos nossos escritores brasileiros. Não há nada mais repugnante como o que conhecemos aqui como Academia Brasileira de Letras. Aquela pompa, aquelas fantasias exageradas e deselegantes, aquele papo de imortal, tudo isso é morto, é contra a criação, exemplifica claramente o elitismo de nossos intelectuais. E vislumbrar um escritor como Pepetela nos faz perceber o quanto os retratos dos imortais na Academia Brasileira de Letras escondem muitos e muitos outros verdadeiros imortais que não precisam de todos esses rituais barrocos e cafonas em nosso país para existirem. Todos os velhos da Academia Brasileira de Letras estão derretendo, suas letras definhando. Enquanto ao ler coisas da união dos escritores angolanos vejo as palavras grávidas, vejo a força de uma vivência que tem muito mas muito a nos ensinar. VIVA A LITERATURA ANGOLANA! VIVA ANGOLA!