segunda-feira, novembro 29, 2010

Meu querido

Quando pensei que o tempo se apressou assim e mandou a chuva apagar todas as suas lembranças, um certo arrepio me percorreu a espinha. É que passei os últimos dias a secar as cartas de amor que consegui salvar. Os cadernos de poesia, todos eles guardados, viraram uma massa informe onde cada letra se borrava assim num mistério maior. Daí eu dei pra ir atrás dos sentimentos, das saudades, das louvações mil que existiam. E ao meu redor a dor era mais alta, e pedaços de papel eram nada frente às bocas que se calaram e aos sorrisos que deixaram de sorrir.
Havia então um poema, uma carta de amor, escrita no verso de uma folha impressa com poemas da Florbela Espanca. Quatro poeminhas, quatro sonetos assim bem arrumados, quase rasgados. Ainda se lê os títulos: Alma Perdida, Noite de Saudade, Cinzento e Anoitecer. Quatro. Penso na Florbela enquanto escrevo estas linhas, penso no tempo passando, penso nas folhas que um dia imaginei amarelas, penso na ideia da perda seja ela como for.
Alguém assinava os poemas. Alguém de Passo Fundo. Um autor qualquer, que escreveu um poema apaixonado qualquer. O único que foi salvo, o único que experimentou assim uma segunda chance ao secar no sol de domingo toda a água que o encharcou.
"Penso talvez que o estar contigo é o estar comigo
Que me encontro nos teus olhos
E me perco no teu adeus"
E por aí vai, a gente não escolhe o que a gente deixa para eternidade, a gente inventa, a gente finge que ela existe, a gente deixa passar. O silêncio, meu querido, esse sim é para sempre, esse sim é eloqüente. Quando a terra engoliu tudo não se ouvia nada mais que o silêncio, silêncio de verdade, silêncio sem contrário. E quantas cartas de amor enterradas, e quantas cartas de amor seriam escritas por tantas e tantas mãos que já não escrevem mais, quantos e quantos eu te amos foram assim calados, quantos versos assim jamais escritos e sempre imaginados?
Quantos?

4 comentários:

Isadora P. disse...

Henrique!

Você me quase me fez chorar...

Logo eu capricorniana rochosa...
com alma de lua em peixes... hehehe

beijos, querido! Te adoro!

josé agapanto disse...

Só com os poemas imaginados e nunca escritos, acho, talvez já teríamos construído um novo mundo. E às vezes penso que o amor, mesmo o mais fugaz, quando acontece então ecoa em alguma parte longínqua das galáxias. Que delicado!

josé agapanto disse...

E olha que também sou um capricorniano rochoso!

Eduardo Bessa disse...

A ideia de me encontrar nos olhos de alguém e me perder no seu adeus traz uma dor romântica que prefiro até evitar. Mas fazer o que, poesia as vezes dói