sexta-feira, dezembro 29, 2006

sessenta e quatro

e a felicidade o que era? a escrita contínua de um esplendor de fim de ano e de tristezas anunciadas e de vontades nunca cometidas? talvez um verão que sempre presente nos faz pensar em tempo cíclico? era o que conseguiria definir numa poesia ou numa declaração de carinho e de afeto? era a quebra de uma unidade?

Diria ele
Diria eu
Diria ele
Diria eu

olhando esse ano eu poderia dizer para mim e para ele que no momento não consigo ter a verdade
que de um feliz 83 era o que precisávamos
afinal você finalmente completará 64 anos
E terá a sua samambaia
E seu gato
E seus discos de jazz
E tomará o teu chimarrão
As cinco e vinte e sete da tarde
Da tarde que se anuncia bruta
Precipitada
Tarde de Porto Alegre
Tarde que nunca triste
Se faz apressada
Para logo dar lugar a noite
16 de Junho de 19...
Te vi na rua a dirigir o carro
Estavas sozinho

E agora sim, naquele fim de ano eu pensava o quanto fui tolo em deixar tudo correr para aquela direção
No dia 31 de dezembro de 1982 eu fui a praia sozinho.
E levei comigo o seu livro
E senti a solidão de apartamentos vazios sem porteiros e sem crianças
de mármore frio
e minha mão de velho tocou o corrimão que sempre estava frio
minha casa tinha samambaias e gatos
mas não tinha você
pois tu já eras morto
morto em sessenta e sete
balas alvejadas

E eu tolo o suficiente em acreditar na sua volta naquele fatídico dia
E te esperei até as duas da manhã...
Problemas... amanhã estarás de volta
E o almoço se fez sozinho
E a tarde angustiada
E a noite desesperada
A madrugada não dormida
Depois a manhã
O telefonema
O zumbido...
A viagem para o Rio

O mesmo mármore frio
Se estivesses vivo completarias 64 anos

Recordo-me quando cantavas when im 64

Hoje eu vou a praia
Sozinho
com 70 anos de coração apertado
E comedimento

Ficarei na praia e pegarei carona nos barcos de Iemanjá
E ela me levará para o reino perdido onde estarás tu
A me esperar de peito aberto no auge de seus sessenta e quatro anos
No sul do meu coração
Habita uma lagoa feita de lágrimas choradas em vão

Obrigado Iemanjá por me levar para o lugar sagrado
Pode seguir viagem
vá com seu barquinho azul
Que daqui não saio mais

que daqui não saio mais...