sexta-feira, outubro 30, 2009

Mas tantas, tantas fiz....

Amor, as poesias que escrevo para você
Estão cada vez mais ruinzinhas
Fraquinhas que só elas
Fingindo ingenuidades
Digressões inúteis

Eu já tentei de tudo:
Ovídio
Macumba
Remedinhos e Comidinhas
Análise de grupo
Saraus literários
Teses
&
Dissertações

Ai amor, que sina!
Ninguém merece
Ler Florbela Espanca e ficar dando choradinhas
Ler Paulo Coelho e dar uma de bruxinha

Já tentei ser crente.
Macumbeiro.
Espírita
E metaleiro.

Já tentei ser wicca.
Fiz cerimônia e tudo
Amigos góticos sábios e precisos
Me disseram que o caminho não era por aí.

Tentei também despachozinho sincera.
Bala juquinha, pipoquinha e fitinha
Na passarela do Columbandê jurei te esquecer
Tranquei caminhos,
Jurei tantas juras
Salvei demandas

Dei meia volta em Preto Velho
Mandei se fudê

Costurei na boca do sapo versinhos de amor
Minha decência
Meu orgulho
Meu desejo

Pra quê?
Pra quê?

Pra nada.
Pra vernissage no vazio
Pra melodias surdas
Pra filmes sem comentários

Pra vida de casado com a tristeza,
só e cruel com ares provincianos
Apostólicos, romanos e por aí vai.

E por aí vai.

terça-feira, outubro 27, 2009

A sonhar com terras livres

Suponhamos então que a minha escrita resolvesse de repente ser aquilo que ela sempre foi e de repente saísse assim com vontade de estar ao teu lado para te perguntar as coisas mais fúteis e sem mais nenhum significado. Pois a coisa funcionou mais ou menos assim: aquele que descia as ladeiras do Pelourinho, com um ar de irrealidade, se surpreendeu de repente com uma canção que inadvertidamente invadiu o seu inseparável MP3, este também amigo de tantas e tantas horas. Descia então o rapazinho as ladeiras com ares de gente comum quando uma voz veio cantando uma musiquinha assim, com uma letra que há muito tempo não visitava seus pensamentos. Era talvez as primeiras lágrimas em território soteropolitano onde cada esquina era pedaço de uma canção já cantada em outro tempo. Tudo dava um ar de lirismo e vontade e desejo que ele escolheu aquele lugar para a sua confissão final, para o send, para o clik do mouse que decidiria assim, o pedacinho do seu coração que ainda insistia em dizer eu te amo.


"e aí, lá de longe, a praça Castro Alves me ofertou, me abriu os braços para as minhas queixas, no tempo em que a felicidade, longe de ser mesquinha tinha nome de gente grande, e ares assim de coisa santa, de coisa real, de coisa inteira, inteirinha. E eu na Ribeira, e eu na Amaralina, e eu no Tororó, e eu no Porto da Barra, e eu em todos aqueles lugares era só mais um de tantos e tantos outros que talvez já saíram lá para cantar, lá para viver... e de súbito toda aquela sinceridade, todo aquele discurso por demais batido me pareceu novamente belo, belo como tudo, belo como a sinceridade jamais gasta, belo como o clichê, belo como a vergonha permitida daquele que se excede, belo como daquela vez em que ouvi da sua voz as melodias das músicas que nunca tinha ouvido e como você cantava bem, e como você cantava bastante bem, se eu soubesse a melodia daquela música do foguete, se eu soubesse aquilo, talvez eu teria chorado por antecipação, não teria me rendido aquele baiãozinho que muito tempo depois me mostrou assim, o amor vazio, o sentimento esse que insiste em bater no nada, na saudade fazendo morada, no tal poço sem fundo.... pensei em poesia, pensei em transformar a dor em muitas e tantas e tantas outras coisas, pensei tanto que me encostei e fingi chorar, fingi emoção extremada e escapei pela Baixa dos Sapateiros jurando que sim, que as coisas um dia sim iriam tomar o seu rumo e tudo iria ser tão feliz, tão lindo que a mera presença, que a mera existência do meu amor já bastaria para acender foguetes e fazer festa e suspirar e dizer no olho que sim, que desde o início aquilo que era pra ser foi"


Quando a felicidade não era mesquinha. As partes envolvidas no contrato da licitação requeriam as probabilidades mais belas, as possibilidades mais lindas. Tudo era potência de existência mais bela. OBSERVAÇÃO : O POETA, cansado de fingir sinceridade, resolve ficar com o dobro do prometido e rouba todos os versos que um dia seriam escrevinhados. Anuncia a quatro cantos, poesias muitas presas e jogadas nos cadernos ameaçados pelo amarelo de tempo, num apartamento perdido na cidade, sábado de sol, verão abrasador, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, sem condição de volta, o tempo em que papai escrevia poesia e as guardava nas gavetinhas, os tempos em que vovô dizia coisas belas das poetas que admirava, o tempo em que meu filho inadvertidamente abriu os cadernos que diziam vinhos de tantos e tantos pesos, que dizia de um dia distante em país estrangeiro, dia de chuva e frio o dia inteiro, dia de outono forte em que o âmago de tudo, em que toda a saudade era a voz de Elizeth a cada minuto cantando e convencendo as dores, convencendo sim, por que não enviar aquela mensagem para aquela pessoa do outro lado por que não confessar o eternal sunhsine of a spotless mind que trazemos dentro da gente, a sinceridade do sonho mais belo de poder dizer que já passou, a vontade mais bela de sair do analista sem reservas nenhuma e ainda assim ter forças o suficiente para jantarzinho tímido amor, como foi seu dia, estou cansado, hoje sim eu quero inventar beleza nos teus olhos eu quero sonhar com o teu sonho, desejar o teu desejo e ir dormir pensando em nada.

sexta-feira, outubro 23, 2009

A Cartomante

Meu nego

Cheguei a um ponto em que te chamar de meu nego me enche de uma estranha felicidade. Uma felicidade tão sincera, pequena e mesquinha como são as felicidades. Chego a banhar-me de ternura, seja ela qual for, ao te escrever meu nego. É que também as poesias têm rareado, tem ficado assim repetidas, de uma maneira feia e carrancuda observando minha mão trêmula. Talvez seja o tempo passando. Talvez seja a loucura cada vez mais se mostrando como amante certa, segura e corrente. Tenho ouvido muitos discos, discos de vinis belíssimos, verdadeiras pérolas perdidas agora e encaixotadas.
Uma vez em Buenos Aires, quando lá trabalhei como hippie envergonhado nos sinais de Boedo, encontrei uma cartomante. Ela trabalhava lá numa galeria em Caballito. Uma galeria sincera e simpática, ares de decadência aristocrática e sinceridade suburbana. Cheguei lá, trêmulo, influenciado por uma amiga que outro dia tinha visitado a tal cartomante. Eu, que não era dado a crenças, a tudo isso, fiquei assim com uma emoção lispectoriana, vontade louca de ver a cartomante, de achar, na minha inocente crença que poderia literaturalizar a pobre cartomante bancando o poeta misterioso. Ledo engano meu. Abri a porta timidamente e fui sentando na salinha para esperar a minha vez. Paguei-lhe os pesos e sentei-me frente a ela que não me estudou com nenhum olhar aguçado. Foi separando as cartinhas, se apresentando brevemente levantando olho nenhum na sua maquiagem argentina. E eu fui me apresentando, falando da minha vida, contando com o fingido interesse da portenha na minha frente. Era o fim da primavera. Sim, o verão se aproximava e eu me sentia tão feliz que até a dor de amor era coisa linda pra se cultivar. Cortei as cartas e ela começou a analisar.
Me disse de algumas coisas, me disse que fortes mudanças viriam. Falou-me de uma mulher mais velha no meu caminho. Falou-me de problemas amorosos inexistentes, falou-me de repetidos chavões que meu lado cético, iluminista, ateu se acendeu contando vitória. Tentei consertar as coisas, perguntar outras coisinhas, mas não deu resultado. Saí de lá envergonhado, frustrado, caminhando a esmo pelo cinismo da Rivadávia. Ao chegar no meu apartamento ao telefone confessei a minha amiga a farsa de tudo isso, minha decepção e a minha resignação ao mundo e a sua realidade.Hoje, meu nego, descobri que talvez não tenha entendido a cartomante argenta em suas colocações, em sua repetição de lugares comuns, de frases batidas e exclamações mentirosas. Quanto a mulher mais velha agora sim já sei quem é, agora sim já vejo e talvez a cortejo de longe, inventando pra mim talvez nova realidade para me embrenhar.
Hoje aqui nesse auge de primavera, pela primeira vez atrevi-me a curtir neo-fossa com o pseudo-bolero La Distancia. Entendi a pequenez de todas as artes, as vergonhas de todas as declarações. Senti talvez o cinismo do próprio cinismo meu que tem freqüentado meus pensamentos. Pensei muito na poesia da Pizarnik e na guerra que acontece a metros de meu apartamentozinho.
Senti-me profundamente triste com vontade sincera de crer em juízo final.
Mas parei por aí.

sábado, outubro 17, 2009

Ao Mosquito do Samba, mascote do Parangolé

Mosquito, o Rio hoje está triste e cinza e eu te queria dizer azulado e alegre

E todo o potencial de toda aquela gente ressoa

Não quero conclusões metafóricas para o fogo que lambeu

Não quero imaginar chama de fogo triste dançando labareda

Vai Parangolé, ser livre e dançar nos corpos que ainda hoje sobem e descem e lutam

Vai você que já não tinha nenhum corpo te vestindo mesmo,

Vai entregue-se ao fogo como quem se dá à vida

Nunca, nunca, se precisou tanto afirmar o seu legado e a sua força

E a chuva? De tiros, de primavera triste, e televisões
(Confessarei uma coisa, isso de ser triste tem realmente o seu charme, como Cecília me disse. Outra Cecília quiçá mais nova quiça mais velha também entendida de assuntos de tristezas também me disse ao pé do ouvido que ela ainda era bem moça pra tanta tristeza e que era pra deixar de coisa e sim cuidar da vida pois a morte podia chegar e nos arrastar por aí sem termos visto a vida e eu te confesso que uma vez sim, eu vi alguém subindo com o violão na mão e eu estava no lindo ano de 2009)

O samba chora o feitiço emperra e a primavera encolhe a alegria indecente escondida tão bem escondida nos olhos daqueles que vêem. (tiros, tiros, tiros na brasa do brasil que queima e arde)

Estou possuído

Esse samba vai para o Mosquito. Sambará ainda?

E se eu achar sincera a pureza na sua origem?

Estou possuído porque me colocaram na corcunda e eu anão vi.
Fênix sorrateira, mentira enganosa, penso nisso. No instante esse que antecede o ato.

Alguém disse que não acreditava em Deus que não dançava

Frase Elegantíssima.

Hoje, dezessete de outubro, eu queria me vestir das palavras que arranquei, nada de despir não.
Hoje eu queria sambinha sincero, climinha intimista, cachacinha e você ao meu lado
mas nem a sinceridade nem a intimidade e nem o amor dançam

DESELEGÂNCIA CRETINA FECHO O PONTO NÃO ENVERGONHADO DE MINHA ÉPOCA DIGO QUE NÃO CHEGA DE SAUDADE DIGO QUERO MAIS SAUDADE DIGO DEUS QUE DANÇA DIGO ROUPA LEVE DIGO DA ADVERSIDADE VIVEMOS

Ainda.

*isso não é texto póstumo é texto de nascimento...
sujo da poeira estetizante ouso escrever “a luta continua” sem eco de auto censura ou pudor de musiquinha antiga

*tem gente sabendo: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/10/16/moradores-do-alto-leblon-farao-protesto-contra-instalacao-do-colegio-espaco-educacao-768095417.asp

sexta-feira, outubro 16, 2009

Ceninha para uma tarde que se fantasiou de alegria

Rio, poeira do tempo:

Ambiente escuro, escrivaninha solitária, spot de luz no ato, mão na pena em bossinha intimista o poeta escreve:

"Baixei a música que você falou. Bateu fundo. Sou tolo ao fazer isso. Mas não posso negar que é belo e tem charminho. E tem verdade sincera, pois dessa vez a música diz tudo. Move o mundo, minha vida e minha loucura. Funciona assim como um eterno espiral, ou então um espelho em frente a outro espelho e vai e vai e vai. É uma dízima, talvez o sentido final dessa minha quixotesca nem por isso burra busca do próprio sentido. ¿Uma cobra mordendo o próprio rabo? Não. Nesse caso há a magia do dois, ainda que ilusória, há ainda vida respirando e céu nascendo em primaveras insuspeitas. E quando a felicidade vem assim mais que clandestina que se faz? Aspira-se a plenitude? Morre-se na canção? Ou vai-se então em assovio, em assovio vai-se até não se sabe onde. Talvez num futuro imaginado isso tudo não passe de peça linda de museu. Um beijo folclórico."


® rêver toute la vie productions

quinta-feira, outubro 15, 2009

Carta às macumbas de Eros

Sexta feira, dezesseis de outubro de dois mil e nove
terras distantes e estrangeiras
eu
Talvez os melhores tempos atravessados sobre a terra... Ah, a contemporaneidade, ah palavra vã, ah aquele que discorre a sua filosofia em qualquer cantinho de qualquer lugar.
Eu escrevo sentado aqui dessa terra calma e tranqüila onde o outono já se anuncia pouco a pouco mostrando a sua cara e esfriando qualquer animação minha que tenha a ver com banho nas águas essas de Oxum gringa
Oxum gringa aqui que se veste diferente mas fala talvez pela mesma vogal a mesma língua que São Jorge, São Jorge este que tinha entrado em conluio com São Sebastião e tinha me prometido meses de felicidades eternas e duradouras em cantinho informal da cidade
Mas não estou no Rio de Janeiro e minhas lembranças de lá doem mais quando já faz novembro e o calor é de matar e aqui a solidão dessas duas margens me deixa assim entorpecido me lembrando de tantas outras duas margens
Quando da vez em que apontei horizonte lá no fundo de perder a vista e disse que lá há o outro lado e cantei para mim baixinho que também havia o redentor que lindo
Ao ler então o Rosa e a sua terceira margem fundi a minha cuca e tive vontade de perguntar sobre tudo aquilo que me tirava a calma
Aí fiz análise por um tempo e descobri que sim, isso quer dizer algo mais distante e mais profundo quando um dia
Eu ainda em terras estrangeiras fiquei a gaguejar em frente ao meu professor que me ouvia interessado a minha apresentação e minhas idéias sobre os Fragmentos do Barthes
Disse a ele que a melhor forma de falar sobre o livro não é cair em análises ou considerações a respeito e sim juntamente com ele afirmar o discurso do enamorado, suspirando na frente do professor suspirão sincero e bonito e ouvindo dele aprovação da minha idéia que se queria original
Talvez então o lance era entregar-se de corpo e alma enquanto havia tempo. Pensar que há muito para se escrever, há muito para se publicar, olhai o exemplo daquele que tinha como sobrenome Soares dizia a voz interior
E então me vestia de armadura para enfrentar o cotidiano e a sua rotina apaixonante ser máquina viver como máquina seguir a vida dessa forma permitindo algumas vezes por mês emocionar-me com canção, livros, teatro e copinhos de cerveja onde então vislumbrava o futuro brilhante a minha frente pretenso Adonis en train de despir-se completamente no leito de minha amargura
Me convenci que o Brasil sim caminhava para uma maior e mais cínica religiosidade inventei passaportes para carimbar pois em terras de senhor sou exilado convicto
Aí vim a ter aqui nessas terras distantes nem Aruanda nem Uruguai e sim areia de praia que não é branca e com muita gente que não sabe de nada
Assim é muito mais fácil país da Cocanha atrevida sonhando com pintangas e com as noites de Salvador onde fui adolescente e poeta chorando de amor após receber a carta que dizia a verdade final antes pudera eu ter queimado como dizia na canção
Não queimei e li até o fim o amor que se dizia findo e com que misto de vontade e ansiedade recebi aquelas lágrimas que batizei com promessa de cachacinha fortuita passando assim pela Graça por Campo Grande descendo a ladeira da Barra para desembocar-me naquele praia do Porto da Barra mesmo onde não tive pudor em sonhar em ser hippie
Lá chorei e enterrei meu coração com promessa futura de visitas intensas
Nem São Jorge é baiano e fala com sotaque de gringo
Nem São Sebastião me mostrou o amor como era pra ser

Leio Ovídio. Como quem espera uma solução. Safo também. Sofro por Abelardo e Heloísa e brinco de Julieta em frente ao espelho.
Momento vai momento vem eu aqui nesse meu exílio penso em escrever carta assim sincera e longa
Então como mulher de Atenas começo a bordar cartinha sincera que depois desbordo em poesias que guardo em muitas caixinhas
Ainda seguirei o exemplo de Ariadne.

Ou então sim, pararei de sofrer, exorcizando e chutando as macumbas de Eros

Nos meus sonhos mais lindos

Declarações a uma manhã que se vestiu de tristeza

Em cada passo daquela melodia ainda sou o mesmo pretenso romântico quase arrependido do quase final da quase palavra que desatou tudo.
Com medo do sem sentido apego-me a fórmulas fáceis como quem se apega a amores levianos e superficiais
Vou me dando conta que no final encontro o sem sentido hermético de qualquer coisa que não seja um amor que não tenha que se diferenciar de paixão, vontade e vida
Encaro essa não certeza como uma falha séria de qualquer elaboração e a deixo escondida em laboratório e vou temperando assim aos poucos nos textos que não acho medíocres e nas declarações que pretensamente acho válidas
Ainda habita em mim o infame ainda apesar da esquina ter sido dobrada já tenho as lágrimas choradas frente ao espelho ofertadas em mercado livre longe de qualquer pretensa inflação e especulação
Até porque o tempo até porque a memória até porque o passado até porque tudo isso tem o seu preço lá fundo como se a nós tivesse sido ofertado um dia uma verdade maior e depois de vista, nunca esquecida, essa verdade ficaria lá latejando
Oh sinal esse de cumplicidade de quem olhou até o fundo o sem sentido e depois ficou marcado assim reconhecendo no outro desejo o seu próprio
Por mais que não, recuso-me em acreditar numa falta de essência seja a do homem seja a do amor, pois se não temos uma corda melhor a inventamos
O homem essa tal invenção, como terminas o teu livro, o homem continua lá bancando a sua essência que sim, tem que existir, caso contrário não choraria ele tais nomes e tampouco tremeria frente à possibilidade do encontro
Ou talvez sim, talvez sim a invenção final valha mesmo o próprio caráter do homem, a sua linda capacidade de fazer sonhos.

Mas sigo negando. Sigo negando o verso.
O dia em que ele calar, o dia sim que ele calar terei me rendido
A tanta, tanta saudade...

quarta-feira, outubro 14, 2009

Carta ao outono que precisa ir embora.

Descobri que funciona mais ou menos assim: eu me tranco no quarto, ligo o som e deixo a dor doer bastante. E dessa vez a canção era a canção mais bela sem exageros comedidos e sem vontade de jogar todas as fichas de uma vez. Era a beleza que se conjugava de forma muito bonita. Pois na canção, um samba – será antigo? Será nostálgico? – falava-se de folhas secas, falava-se de chuva dentro dos olhos, tudo isso, tudo isso se falava. E eu, reles eu, tinha à minha frente o primeiro outono da minha vida ofertado de forma estrangeira e irreal. E me encantavam as irrealidades. Tanto que não tirei foto. Deixei as folhinhas caírem assim na delas, fiz tratos com elas. Elas que de verde forte ficaram verde escuro depois verde embaçado depois amarelado e depois amarelo bem forte. Foram indo. E tinha outras. Outras mais atrevidas que iam num vermelho vivo e também caíam. Tudo lá pra abril. Eu, que achava que o outono era a minha estação preferida, tive a certeza. E sabia que não ia trair as pobres folhinhas. Sabia vagamente que escrevê-las seria uma traição, seria como não mais participar do clube. E agora, agora que sou um estrangeiro eu as escrevo. Lembro que eu saía chutando, todas elas, quando no final tudo já estava realmente no chão. Em poucas semanas tive tempo de ter angústia de ver o tempo passando. O primeiro que não quero último outono de minha vida. E se eu chorava pra dentro, se eu tinha lágrimas era porque não tinha espaço, não tinha email, não tinha coração pra botar tudo aquilo. Aí eu brincava de escrever cartas, escrevia muitas, endereçava e tudo. Tinha poesia, tinha citação, falava de música, falava de bastante coisa. Como se lá fora tudo estivesse parado e uma folhinha, uma folhinha que seja, conseguisse driblar a tal vontade e ficasse parada no ar esperando cair. Isso foi depois, foi depois que eu mandei emailzinho citando a Ana C. e falando sobre a aprendizagem ou o livro dos prazeres. Tudo era jazz do coração, jazz do coração, jazz do coração... E pensar que o outono naquela época ainda era uma promessa tímida que eu apressava atrapalhando as fotos dos turistas na pracinha, a mesma pracinha que me mostrou o amor em outro país em outro mundo. E eu que não sou dado a estéticas neo-realistas nem a som de orquestras corri pra Igrejinha, peito batendo forte, violinos, coração a mil, quase um Pasolini de tanta emoção esperando meu amor ir embora pra poder pegar o bondezinho que me levaria lá pros cantos almagrinos.
Ah, por que escrever a realidade quando ela fica assim com cara de primavera? É que o Henry Miller fundiu minha cuca. De autobiográfico já basta a vida, de plágio já basta a própria criação. Eu sou dado a cirandas literárias. Sarau pode ser brega, mas eu sempre gostei. Principalmente aqueles em que todos esqueciam os livrinhos abandonados no cantinho da sala. Tinha uns portugueses ótimos esquecidinhos que minha amiga ficava lendo sozinha. Ela sabe a verdade. Ela é o quente.
Não transo essas coisas não. Estou muito admirado como o pessoal dos 70 usava a palavra transa. Usava pra tudo! Hoje ela virou só isso. Vou resgatar a palavra transa. Pois então eu transei uma entrevista de Bethânia, engraçadíssima, que ela deu lá pros cantos de 1969. Pro Pasquim. Coisa fina. De rir até não poder mais. É um humor que se está desprendendo. Tenho medo do tempo e o que ele faz com o humor. Enterra. É bicho ruim. Pisa na cabeça da cobra. O tempo é a prova de que Deus é um joguinho na mão do humano bicho gente. Ou o contrário, quem sabe?
Um beijo.
Até o próximo outono.

domingo, outubro 11, 2009

Colombres al 64

A calefação vira inferninho público e eu não vendo drogas, já disse que não vendo drogas, não sou traficante, não as vendo... mas sei cantar as canções do Ben quando da iminência da lucidez embriagada me leve pra casa que quero dormir, quero voltar...
Beber com pouca grana é limpar o estômago para a sinceridade alcoólica. Não gosto do teu fígado e não me apetece vê-lo bonitinho, a gente quer ver ele disposto e cru na mesa rasa.
Gal cantando estrada do sol me leva a Niterói, terra triste e lúcida, irremediavelmente cristã, interiorana, poupando centavos na boca da capital, guardando virgindade já velha frente a Gomorra City Co.
Niterói portal cósmico e fronteira difusa de Norte Fluminense, um pouco de Minas, estado imaginário que se chama cidade pequena e simpática onde o pão chega de manhã sincero e encontra a superfície da mesa sem entraves e suas migalhas se espalham livres e felizes na toalha que se balança quando o gás em botijão se anuncia pelas ruas carnavalizando o interior.
A calefação me irrompe para o momento posterior em que o gás se acende no meu pulmão, quando na verdade ontem eu te fumei passivamente chorando em conta gotas.
E ela ainda não cantou Mãe na tua vitrola e você já se dispôs a abrir as tuas pernas poéticas para aquela melodia inflacionando a tua tristeza, desvalorizando-a irresponsavelmente.
Espremendo do seu olho uma tristezazinha vagabunda e semi-morta.
Entro no meu inferno, ligo a calefação no máximo e me cozinho em banho-maria.
Até ficar no ponto.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Alejandra Pizarnik

Desde esta orilla
Soy pura
porque la noche que me me encerraba
en su negror mortal
ha huido
W. Blake

Aun cuando el amado
brille en mi sangre
como una estrella colérica
me levanto de mi cadáver
y cuidando de no hollar mi sonrisa muerta
voy al encontro del sol.


Desde esta orilla de nostalgia
todo es ángel.
La musica es amiga del viento
amigo de las flores
amigas de la lluvia
amiga de la muerte

terça-feira, outubro 06, 2009

E eu que achava...

E eu achava que nessa cidade não tinha cafés, e eu que achava que nessa língua não tinha o nome daquele lugar pra onde a gente vai quando acha que o mundo é grande demais.
Hoje eu queria fazer o papel daquele que espera. Tinha até o café como cenário. Mas ao invés de maldizer atraso que não existia eu fiquei pensativo com vontade de me calar e escrever bobagens. Recriminei a minha vontade tímida de chorar e a chamei de burguesa. O meu coração, partidão racional deu pra fazer auto-crítica e querer botar altos pingos nos is.
Na dureza do dia a dia pressinto que o Éden vislumbrado talvez seja a imagem que perseguirá a minha existência. Sua busca talvez será um dos grandes sentidos para aquilo que chamam existir. É que as vezes a gente toma consciência das coisas e fica escrevendo essas receitas lúcidas. Serão estes os momentos anti-poéticos por excelência? Talvez sim. Talvez a tímida certeza de pensar estar repetindo-se nas dores, nas lamúrias, nos gemidos e nas palavras. Até nas pequeninas tentativas de absurdo. Esse estágio talvez seja o mais cético, o mais duro de dar a volta. Num repente nos vemos frente a esse desejo tão sincero de esquecer, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Será a volta por cima a superação de tal estágio? Ou será a volta por cima justamente o manter-se nele? Um correr assustado da porta que temos a nossa frente?
Isso soa por demais chato e pesado. E aquele que escreve um texto chato tenta sempre encontrar desculpas para sua chatice. Tentar encontrar desculpas? Talvez. Talvez as tenha espalhadas por aí, na certeza de que escrever é a auto-ajuda primordial esperada. Talvez não.
O quão perversa é a palavra talvez, o quão cara ela é para mim nesse momento. Me acompanhando, sorrindo a minha frente de tomara que caia, lábios provocantes e mãos adoráveis. Mãos adoráveis que pego, beijo e faço carinho. Faço promessa, reclamo do tempo e da vida. Ela, ela sempre tão fugaz, sempre tão etérea, fantasiada as vezes de certeza me vem grave e solene a pedir desculpas por ter feito algo que desconheço. E me diz verdades, segredos e mistérios ao pé do ouvido, me tira a caneta da mão e me pisca o olho.
Hoje eu queria lamentar-me da minha dureza, da minha sorte. Mas ao meu redor eu vejo a grandeza, espalhadinha e escondidinha. E o sorriso da garçonete é uma muleta, uma bóia que me é oferecida nesse meu naufrágio em minhas falsas lágrimas. Ó cinismo, ó verdade, ó escrita! Quando provar-me-ão vocês que aquele que muito se cobre, aquele que muito enfeita e escreve, muito se desnuda, muito se cala frente a tantas palavras?


Rio.


Alto.

sábado, outubro 03, 2009

duas.

Primavera


Você pára de fazer frio
E eu paro de fazer poesia ruim

Você me dá 30 graus
E eu te faço um soneto individual

Você me dá tango sincero
E eu te vomito um bolero.

(Primavera 2008)


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Põe ópera também, com exterior de dia gelado
Me liga no telefone que eu amoleço na tua voz
Teu sotaque é um espetáculo a parte

O resto, meu bem, o resto é tarde egoísta e fria

Teu silêncio berrou tanto no meu ouvido que me deixou surdo

Não te escuto. Quanto menos a mim.
Versos escuros e desconcentrados
Tateiam a sua poética

Mas não há sinal nenhum

(2008)

sexta-feira, outubro 02, 2009

Manuscrito Sincero

Já tenho a consciência da inspiração. (Ainda que fugidia ela as vezes aparece oferecendo-me entendimento com cara de beata resignada.)
Hoje, por exemplo, ela não veio. Eu estava só, estava em minha carruagem, cruzando as paisagens de Misiones, ansiando pelo exagero paranaense para aí sim sentir-me mais perto dos morros e dos mares que me foram assegurados quando decidiram existir este YO que te escreve.
Tal YO, valendo-se das crônicas imemoriais escrita por alguém de nome sombrio, encontra-se neste exato momento sonhando com realidades óbvias que obedecem também a compassos e melodias fáceis.
Pela escrita que me invade eu peço paz. Eu peço publicação! Que se publiquem os manuscritos escondidos! Que se ofereçam aos olhos do meu amor, que se ofereçam aos olhos mais lindos e desconhecidos, pois meu ego eu já o quero prostituído, prostrado no templo do ridículo, débil fiel cumprindo penitência pagando o preço de se jogar no vazio sorrindo, pagando o preço de pegar a leveza no colo e batiza-la de pesado fardo.
Se ao menos me sobra fazer da minha dor um textinho vagabundo assim eu farei, farei questão de fazer arte bonitinha, brilhantina, sorriso, passagem de ida e volta, batismo, primeira comunhão e crisma. Pendurarei assim na parede no almoço de domingo para chorar a minha dor religiosamente e com ela atravessar a dureza dos dias até o outro definitivo e incerto outro lado, terceiro outro lado margem impossível da minha teimosia.

(A partir de este momento o poeta não se vale de subterfúgios pseudo-intelectuais e escreve diretamente ao par de olhos que lhe tirou a calma)

É tu. Tu. E que alegria escrever tu. Ainda que falsa e passageira é um tu verdadeiro. A sua filosofia eu quero comprar pelo preço que for, fazer dela não só o playground do Satã mas também o laboratório do teu acaso. Mentira. Reescrevo o que não disse: eu só queria contigo dar-me o luxo sincero e limpinho de cozinhar-te meu macarrão ao molho de espinafre com uma garrafa de Vasco Viejo. O vinho também é barato, também é vão e me traz a memória a sua feição mais jovem, cada vez mais jovem a medida que o tempo passa, parece que a música do Chico depois do adeus te faz muito bem.
Faltam-me forças,coragem e pudor para seguir a empreitada. Cruzarei a fronteira em minutos. Lá talvez os planos e os bons sensos me farão confessar as tolas razões e dores desse texto que se escreveu.



Enríque
manuscritos perdidos
fim de setembro de um ano perdido

Projeto de Primavera

Torno a repetir queridas pastagens
Torno a repetir queridas paisagens

Que farei assim de Otamendi que farei assim de Avellaneda a minha mais linda e perfeita danação

Que farei assim das árvores tão violentadas pelo outono
O sabor mais forte do meu sono

É que ainda sobra tanto lirismo
E só de saber que a primavera praqueles cantos existe mais linda

Minha Senhora,

Invento a felicidade

Torno a repetir a minha morada lá bem atrás daquele morro, lá bem atrás daquela serra

Lá de longe, lá bem de longe, do deserto, das montanhas, e das dunas e das areias mais belas

Ainda vive o que restou do lirismo
Escondidinho e ressabiado
Derradeira inocência

Tantas vezes intocada.

Tantas vezes violentada.