sexta-feira, outubro 02, 2009

Manuscrito Sincero

Já tenho a consciência da inspiração. (Ainda que fugidia ela as vezes aparece oferecendo-me entendimento com cara de beata resignada.)
Hoje, por exemplo, ela não veio. Eu estava só, estava em minha carruagem, cruzando as paisagens de Misiones, ansiando pelo exagero paranaense para aí sim sentir-me mais perto dos morros e dos mares que me foram assegurados quando decidiram existir este YO que te escreve.
Tal YO, valendo-se das crônicas imemoriais escrita por alguém de nome sombrio, encontra-se neste exato momento sonhando com realidades óbvias que obedecem também a compassos e melodias fáceis.
Pela escrita que me invade eu peço paz. Eu peço publicação! Que se publiquem os manuscritos escondidos! Que se ofereçam aos olhos do meu amor, que se ofereçam aos olhos mais lindos e desconhecidos, pois meu ego eu já o quero prostituído, prostrado no templo do ridículo, débil fiel cumprindo penitência pagando o preço de se jogar no vazio sorrindo, pagando o preço de pegar a leveza no colo e batiza-la de pesado fardo.
Se ao menos me sobra fazer da minha dor um textinho vagabundo assim eu farei, farei questão de fazer arte bonitinha, brilhantina, sorriso, passagem de ida e volta, batismo, primeira comunhão e crisma. Pendurarei assim na parede no almoço de domingo para chorar a minha dor religiosamente e com ela atravessar a dureza dos dias até o outro definitivo e incerto outro lado, terceiro outro lado margem impossível da minha teimosia.

(A partir de este momento o poeta não se vale de subterfúgios pseudo-intelectuais e escreve diretamente ao par de olhos que lhe tirou a calma)

É tu. Tu. E que alegria escrever tu. Ainda que falsa e passageira é um tu verdadeiro. A sua filosofia eu quero comprar pelo preço que for, fazer dela não só o playground do Satã mas também o laboratório do teu acaso. Mentira. Reescrevo o que não disse: eu só queria contigo dar-me o luxo sincero e limpinho de cozinhar-te meu macarrão ao molho de espinafre com uma garrafa de Vasco Viejo. O vinho também é barato, também é vão e me traz a memória a sua feição mais jovem, cada vez mais jovem a medida que o tempo passa, parece que a música do Chico depois do adeus te faz muito bem.
Faltam-me forças,coragem e pudor para seguir a empreitada. Cruzarei a fronteira em minutos. Lá talvez os planos e os bons sensos me farão confessar as tolas razões e dores desse texto que se escreveu.



Enríque
manuscritos perdidos
fim de setembro de um ano perdido

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