quarta-feira, outubro 14, 2009

Carta ao outono que precisa ir embora.

Descobri que funciona mais ou menos assim: eu me tranco no quarto, ligo o som e deixo a dor doer bastante. E dessa vez a canção era a canção mais bela sem exageros comedidos e sem vontade de jogar todas as fichas de uma vez. Era a beleza que se conjugava de forma muito bonita. Pois na canção, um samba – será antigo? Será nostálgico? – falava-se de folhas secas, falava-se de chuva dentro dos olhos, tudo isso, tudo isso se falava. E eu, reles eu, tinha à minha frente o primeiro outono da minha vida ofertado de forma estrangeira e irreal. E me encantavam as irrealidades. Tanto que não tirei foto. Deixei as folhinhas caírem assim na delas, fiz tratos com elas. Elas que de verde forte ficaram verde escuro depois verde embaçado depois amarelado e depois amarelo bem forte. Foram indo. E tinha outras. Outras mais atrevidas que iam num vermelho vivo e também caíam. Tudo lá pra abril. Eu, que achava que o outono era a minha estação preferida, tive a certeza. E sabia que não ia trair as pobres folhinhas. Sabia vagamente que escrevê-las seria uma traição, seria como não mais participar do clube. E agora, agora que sou um estrangeiro eu as escrevo. Lembro que eu saía chutando, todas elas, quando no final tudo já estava realmente no chão. Em poucas semanas tive tempo de ter angústia de ver o tempo passando. O primeiro que não quero último outono de minha vida. E se eu chorava pra dentro, se eu tinha lágrimas era porque não tinha espaço, não tinha email, não tinha coração pra botar tudo aquilo. Aí eu brincava de escrever cartas, escrevia muitas, endereçava e tudo. Tinha poesia, tinha citação, falava de música, falava de bastante coisa. Como se lá fora tudo estivesse parado e uma folhinha, uma folhinha que seja, conseguisse driblar a tal vontade e ficasse parada no ar esperando cair. Isso foi depois, foi depois que eu mandei emailzinho citando a Ana C. e falando sobre a aprendizagem ou o livro dos prazeres. Tudo era jazz do coração, jazz do coração, jazz do coração... E pensar que o outono naquela época ainda era uma promessa tímida que eu apressava atrapalhando as fotos dos turistas na pracinha, a mesma pracinha que me mostrou o amor em outro país em outro mundo. E eu que não sou dado a estéticas neo-realistas nem a som de orquestras corri pra Igrejinha, peito batendo forte, violinos, coração a mil, quase um Pasolini de tanta emoção esperando meu amor ir embora pra poder pegar o bondezinho que me levaria lá pros cantos almagrinos.
Ah, por que escrever a realidade quando ela fica assim com cara de primavera? É que o Henry Miller fundiu minha cuca. De autobiográfico já basta a vida, de plágio já basta a própria criação. Eu sou dado a cirandas literárias. Sarau pode ser brega, mas eu sempre gostei. Principalmente aqueles em que todos esqueciam os livrinhos abandonados no cantinho da sala. Tinha uns portugueses ótimos esquecidinhos que minha amiga ficava lendo sozinha. Ela sabe a verdade. Ela é o quente.
Não transo essas coisas não. Estou muito admirado como o pessoal dos 70 usava a palavra transa. Usava pra tudo! Hoje ela virou só isso. Vou resgatar a palavra transa. Pois então eu transei uma entrevista de Bethânia, engraçadíssima, que ela deu lá pros cantos de 1969. Pro Pasquim. Coisa fina. De rir até não poder mais. É um humor que se está desprendendo. Tenho medo do tempo e o que ele faz com o humor. Enterra. É bicho ruim. Pisa na cabeça da cobra. O tempo é a prova de que Deus é um joguinho na mão do humano bicho gente. Ou o contrário, quem sabe?
Um beijo.
Até o próximo outono.

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