terça-feira, outubro 27, 2009

A sonhar com terras livres

Suponhamos então que a minha escrita resolvesse de repente ser aquilo que ela sempre foi e de repente saísse assim com vontade de estar ao teu lado para te perguntar as coisas mais fúteis e sem mais nenhum significado. Pois a coisa funcionou mais ou menos assim: aquele que descia as ladeiras do Pelourinho, com um ar de irrealidade, se surpreendeu de repente com uma canção que inadvertidamente invadiu o seu inseparável MP3, este também amigo de tantas e tantas horas. Descia então o rapazinho as ladeiras com ares de gente comum quando uma voz veio cantando uma musiquinha assim, com uma letra que há muito tempo não visitava seus pensamentos. Era talvez as primeiras lágrimas em território soteropolitano onde cada esquina era pedaço de uma canção já cantada em outro tempo. Tudo dava um ar de lirismo e vontade e desejo que ele escolheu aquele lugar para a sua confissão final, para o send, para o clik do mouse que decidiria assim, o pedacinho do seu coração que ainda insistia em dizer eu te amo.


"e aí, lá de longe, a praça Castro Alves me ofertou, me abriu os braços para as minhas queixas, no tempo em que a felicidade, longe de ser mesquinha tinha nome de gente grande, e ares assim de coisa santa, de coisa real, de coisa inteira, inteirinha. E eu na Ribeira, e eu na Amaralina, e eu no Tororó, e eu no Porto da Barra, e eu em todos aqueles lugares era só mais um de tantos e tantos outros que talvez já saíram lá para cantar, lá para viver... e de súbito toda aquela sinceridade, todo aquele discurso por demais batido me pareceu novamente belo, belo como tudo, belo como a sinceridade jamais gasta, belo como o clichê, belo como a vergonha permitida daquele que se excede, belo como daquela vez em que ouvi da sua voz as melodias das músicas que nunca tinha ouvido e como você cantava bem, e como você cantava bastante bem, se eu soubesse a melodia daquela música do foguete, se eu soubesse aquilo, talvez eu teria chorado por antecipação, não teria me rendido aquele baiãozinho que muito tempo depois me mostrou assim, o amor vazio, o sentimento esse que insiste em bater no nada, na saudade fazendo morada, no tal poço sem fundo.... pensei em poesia, pensei em transformar a dor em muitas e tantas e tantas outras coisas, pensei tanto que me encostei e fingi chorar, fingi emoção extremada e escapei pela Baixa dos Sapateiros jurando que sim, que as coisas um dia sim iriam tomar o seu rumo e tudo iria ser tão feliz, tão lindo que a mera presença, que a mera existência do meu amor já bastaria para acender foguetes e fazer festa e suspirar e dizer no olho que sim, que desde o início aquilo que era pra ser foi"


Quando a felicidade não era mesquinha. As partes envolvidas no contrato da licitação requeriam as probabilidades mais belas, as possibilidades mais lindas. Tudo era potência de existência mais bela. OBSERVAÇÃO : O POETA, cansado de fingir sinceridade, resolve ficar com o dobro do prometido e rouba todos os versos que um dia seriam escrevinhados. Anuncia a quatro cantos, poesias muitas presas e jogadas nos cadernos ameaçados pelo amarelo de tempo, num apartamento perdido na cidade, sábado de sol, verão abrasador, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, tempo, sem condição de volta, o tempo em que papai escrevia poesia e as guardava nas gavetinhas, os tempos em que vovô dizia coisas belas das poetas que admirava, o tempo em que meu filho inadvertidamente abriu os cadernos que diziam vinhos de tantos e tantos pesos, que dizia de um dia distante em país estrangeiro, dia de chuva e frio o dia inteiro, dia de outono forte em que o âmago de tudo, em que toda a saudade era a voz de Elizeth a cada minuto cantando e convencendo as dores, convencendo sim, por que não enviar aquela mensagem para aquela pessoa do outro lado por que não confessar o eternal sunhsine of a spotless mind que trazemos dentro da gente, a sinceridade do sonho mais belo de poder dizer que já passou, a vontade mais bela de sair do analista sem reservas nenhuma e ainda assim ter forças o suficiente para jantarzinho tímido amor, como foi seu dia, estou cansado, hoje sim eu quero inventar beleza nos teus olhos eu quero sonhar com o teu sonho, desejar o teu desejo e ir dormir pensando em nada.

Nenhum comentário: