quinta-feira, setembro 24, 2009

esboço

"Todo junho tem um veranico esperando por você."
Roteiro e Direção : Henrique Campos Monnerat


Personagens:

Sara - A menina-mulher. ("Era verdade que Sara era doente")
O Poeta - Ser etéreo etílico estilístico (as vezes assume identidades dos outros personagens)
José Carlo - Arquétipo típico do bom sujeito
Maysa - Cantante do tempo
Narrador - Aquele quem vos escreve
Henrique - Personagem alter-ego
Condessa de Marília Paula - Personalidade ilustre do século XIX - presente em flahes backs e carne e osso.

Trilha Sonora :

"Fica comigo esta noite" - Samba canção de Adelino Moreira e Nelson Gonçalves - (Versão que tem um quê de tango)
"Pela Rua" - De Dolores Duran e José Ribamar - Cantada pela Maysa
"Por Enquanto" - Renato Russo - Cantada por ele mesmo
"Vamos Fazer um Filme" - Idem
"Depois É Só Chorar" - Geraldo Vandré - (Música pseudo-incidental ouvida ainda na cama antes da partida do poeta no amanhecer)
"Canção do Mar" - Cantada pela Dulce Pontes - No início do filme, antes da chegada do veranico.
"Chão de Estrelas" - De Silvio Caldas e Orestes Barbosa - Cantada pela Maysa e interrompida pelo narrador pseudo-diretor.
"Tristeza de Amar" - de Geraldo Vandré e Luiz Roberto - Cantada pelo primeiro.
"Rosa Flor" - Geraldo Vandré. - Cantada por ele mesmo.
"Senhor" - Opereta em Português cantada pela Condessa nos anos 1870 e pelo poeta nos anos 2000 - De composição indisponível.


Espaço e Tempo

Objetivamente: primeira década do século XXI com incursões em outros tempos. Locações: Estado do Rio, na capital e no grande Rio. Niterói - Tomadas extensas. Saída do Poeta de manhã cedo decorando canções como "Depois é só chorar". Para cenas da Condessa, lugares como Maricá (Estrada Velha), Araruama e o restante da região dos lagos. Cenas na capital paulista. (para tomadas da cantante do tempo) Passagens em Strasbourg, França. (tomadas sonoras feitas de saudade e tempo). Tempo específico: Junho (junho arquétipo pré e pós anos 2000, antes ou depois do aquecimento global)



"Todo junho tem um veranico esperando por você"



"Sempre torci o nariz pro sub surrealismo"

"No ar parado passou um lamento, riscou a noite e desapareceu"

Entre brumas e trevas tudo é silêncio que podemos tocar. Espreitamos a meia noite de longe. Esperando aquele que vai chegar silencioso. Num som de uma música, num eterno crescendo.
Tum, Tum, Tum...
E já nasce da manhã um tempo que é o veranico. Aquele que só nasce nessa época do ano.


Era verdade que José Carlo era doente.
Naquele tempo todos trazíamos no peito algo maior que o mundo. Uma vontade de vida que não tinha nada a ver com o que fazíamos ou escrevíamos.
Ou falarei eu, ou José Carlo.
Chega um momento em que somente um deve falar. Um confessar a falta do outro. Ou enumerar as aventuras de vida, escondidas em pequenos meses - quase um balanço da poética:

José Carlo troça troçando a frase de Henrique "Talvez eu tenha encontrado a abstração maior. Foi bom ter te encontrado. Vim contigo na cabeça o tempo todo, o tempo todo.”.
O pior de tudo confessam os dois, foi ter encontrado na rua um homem que trabalhava e que disse ser poeta. Era um segurança de um restaurante chique na avenida atlântica. E era um poeta que nunca tinha mostrado a ninguém o que escrevera. E guardava todas as poesias na gaveta e dizia com uma autoridade quase divina: "Eu sou poeta".
Pensei quantas gavetas ele poderia ter e o que poderia escrever.
O tempo em que fomos artistas. Trazíamos todos algo no peito. Algo que não sentíamos e não suspeitávamos. Ou falarei eu.
Ou Zé Carlo.
Confundir é a única regra que existe.
Segundo o entendimento que tiverdes.
Até esse livro, tão misterioso que atraso a leitura.
Para outra explosão poética que ainda não experimento. Mas fico com suas frases e seus plágios. "Frente a ti meu carinho é pouco. Meu amor é ralo frente ao teu olhar e a tua proteção que me faziam ter vergonha de existir"
Rio de Janeiro. Tempo de pedrada. Avenida Atlântica. Embalo não 71. E sim 07.
Século XX is dead e você vai ficar aí parado?
Vais jogar xadrez na penumbra vendendo sua arte vendida e seus sabonetes que mais serviriam para perfurmar tua podridão.
Não há banho todo dia.

- Pausa para o aquecimento global.

Aquecimento global impera. E meu novo século já começa com vontade de terminar. O mundo está entrando em greve, ninguém sente isso? O mundo vai entrar em greve. Não é essa ignorância desses religiosos imbecis que falam de fim de mundo toda hora e nesse papo escroto de juízo final com palhaçada de estrela cair e toda essa macaquice enfeitada da bíblia. Falo sim em mundo acabar por razões humanas, por estupidez e ganância.


Enquanto isso José Carlo ama.
E me repreende por atacar o messianismo dos religiosos.
Tudo bem cara, desculpe. Desculpem-me.
Ela voltará. Aquela que roubou teus versos na praça escura. A Sara. (Era verdade que Sara era doente)
A minha praça.
A minha mesma praça idealizada no fim do verão de 2005 quando o mundo entrava em assembléia final.
E os pepinos brotavam tão férteis quanto o falo primordial. Da minha terra que fiz questão de conhecer seu cio antes de começar a desandar.
Fiz questão de conhecer o inverno também.
De ver o que é tempo e terra.
Porque tá acabando tudo.

Foi o último verão normal.
Aquele de 2005.
Depois tudo começou a ficar estranho.

- Renato Russo cantando "Por enquanto"

-Nas ruas de Strasbourg ecoa a canção "Vamos fazer um filme", depois do almoço de domingo típico da Alsácia.

Adoeço na voz daquela mulher que é feita só de embriaguez de amor, mas de amor, cara, compreende, ela tá ligadona, apaixonada na dele e ele nem liga. Mas a culpa é de quem? De ninguém, por isso! isso é absurdo, mas se liga cara, o que ela faz, ela transforma aquilo que ela sente, numa coisa linda demais, puxa cara, como é que pode, é de arrepiar, que porra é aquela, como que ela consegue, mas assim nem eu, nem eu, eu também vou chorar junto com ela, vou chegar lá, amigo, dizendo e beber com ela, e compreender e falar e rir, pois assim é, escuta, ninguém canta como ela, ela é o próprio sofrimento personificado, pois acho que estamos juntos e não vou desperdiçar essa pira sem dizer isso pra ela, acho sim que nascemos carimbados com qualquer coisa que não sabemos, e cara, olha só isso, olha o que ela tá fazendo, cara, ela tá ainda no final dos anos 50 e o mundo pra ela é toda uma promessa bonita, pode deixar não vou estragar nada, só quero me aproximar e bater um papo com ela.

- Naquele tempo todos trazíamos no peito uma máquina de escrever sofrimento -

Ou tomarei eu a fala.
Ou Maysa
Confundir é a única regra que existe. Segundo o entendimento que tiverdes.

Então vamo lá, no ar parado ficou um lamento. Tá tudo bem. Imagino um frio. No ar parado PASSOU um lamento. E pra onde foi? Sumiu, tá eu entendi, mas o que vem depois? Vem chão de estrelas ou zinco furado. Ou lua cheia que já tá triste, não não dá pra botar a porra da atriz pisando nos astros. Muda essa cena. Na minha vida, tem uma saudade grande que soluça as vezes. Isso!!! já que não temos lua cheia faremos tristeza com escuridão total. E na escuridão total tanto faz o beijo ou o lamento ou o choro, tanto faz o corpo tanto faz. Tanto faz isso Tanto faz aquilo tanto faz dez minutos atrás. Tanto faz teia de aranha.


- Naquele tempo todos trazíamos no peito um livro do Augusto dos Anjos -
Ou tomarei eu a fala.
Ou a Condessa de Marília Paula.

- Altiva, com seus vestidos da década de 1870 chega a Condessa já com seus quarenta anos se aproxima e começa a cantar uma opereta em português.

"Senhor, senhor, meu coração eu te dei
Senhor, senhor, todo meu corpo te dei
Senhor, senhor, contigo me deitei
Para uma noite apenas
Para uma noite apenas
Senhor, senhor, depois não voltaste a mim
Senhor, senhor, e hoje eu choro
Senhor, senhor, quero te acordar o povo
Senhor, senhor para deitar contigo de novo"

Não bastasse o absurdo da letra cantada pela Condessa em época tão remota, lembremos da cena que vem depois do fim do filme quando o poeta sai de manhãzinha de uma casa qualquer após uma noite de esbórnia. Ele vem, caminhando, já com tudo decorado. A mesma canção que cantava a Condessa há mais de cento e cinqüenta anos.

E eu fui andando pela rua escura para poder chorar. Depois de ter sido beijado por alguém que eu não gostava. E chorava por não compreender que nada podia fazer. E eu lavei minha boca na boca do meu poeta. Cheguei e pedi um beijo escuro e triste e continuei andando pela rua escura agora com um coração dentro do trem interior esperando o ônibus e contando e decorando os minutos depois da frase que fiz para o poeta.

Ou tomarei eu a fala.
Ou o poeta.
Confundir é a única regra que existe.
Segundo o entendimento de merda.

Novamente vamos para a segunda cena. O poeta está ouvindo "Fica comigo esta noite" e tem um quê de tango. Escuridão. Lua crescente ou minguante tanto faz. Não, existe, tem diferença, mas não interessa. Depois do beijo forçado ele procura o outro poeta. Antes de esperar o ônibus após o beijo decorando a noite passada.
Um ninho de tristeza veio se aninhar.

Ou tomarei eu a fala.
Ou a fala me tomará em goles profundos.

E eu me deglutirei num êxtase louco.
Serei engolido por mim mesmo. Como aquela figura da cobra que morde o rabo, assim mesmo.

Poeta solene declama texto solene em noite solene em vida solene em situação solene em viadagem solene:

Das tuas costas fiz o mapa da minha perdição
Me guiei por teus olhos para me perder na tua mão
Para me viciar em teu corpo
I would like to kiss
Você todo.
All of you.


Naquele tempo todos trazíamos no peito uma vergonha imensa de ser jovem.
Eu odeio a minha juventude.
Eu tenho horror a minha juventude.
Asco.
Ojeriza.
Nojo.
Pavor
Então a carga de ódio, ódio superior.
José Carlo posando de constante, tentando apasiguar a situação. de amigo boa pinta diz:

"vá procurar algum trabalho. É só pararem de abandonar poesias lá."

Ou tomarei eu a fala. Ou ou narrador.

A Condessa de Marília Paula morreu. Todos sabemos que morreu. Ela morreu em 1924.
Com 97 anos.

"No ar parado passou um lamento. Riscou a noite. E desapareceu.
Depois a lua ficou mais sozinha. Foi ficando triste e também se escondeu"

Nããããooooooooooo! Pára isso.
Stop. Isso aperta o stop, o símbolo quadrado. O símbolo universal do stop.
Como assim. Como ela vai pisar nos astros, nas estrelas salpicadas. Meu filho, meu filho, aquele nível de poesia ninguém consegue, agora você só sente cheiro mas não provarás de cabrocha nenhuma salpicada com pequenas estrelinhas. Já já te digo onde vai estar uma das estrelas. Qual classificados oferecendo putas em nossos dias.

Continua:

"Na minha vida uma saudade meiga soluçou baixinho
No meu olhar um mundo de tristezas veio se aninhar
Minha canção ficou assim sem jeito
Cheio de desejo.
E eu fui andando. Pela rua escura pra poder chorar"

É aí que entra o poeta triste ouvindo o fica comigo esta noite com um quê de tango esperando lavar a boca na boca do outro poeta na noite ou no escuro da noite. Na praça que já não é mais de Zé Carlo em seus últimos dias antes de fechar.

Ou tomarei eu a fala.
Ou Henrique.

Confundir é o único produto que existe.
Segundo a promoção que tiverdes.

E a cena termina no começo. Quando ele começa a decorar o poeta. Para encontrá-lo no dia seguinte. E no outro dia consumar a paixão. Os créditos chegam botando banca incomodando a todos que esperavam ansiosos o que poderia acontecer dali. E atropelando os créditos entra a música da Maysa que por sua vez é atropelada pelo silêncio atordoador que é muito alto, alto demais. Tão alto que todos saem tapando os ouvidos. E são muitos os que entram em coma de choro profundo. De êxtase orgiático, em comunhão com qualquer coisa que nos é estranha. E depois, está consumado o qualquer coisa que se pensou.

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