sábado, fevereiro 14, 2009

Missiva

Cláudia

Aquela vez em Copacabana que você bateu com seu carro e me disse que a zona sul era o seu quintal eu fiquei pensando no seu apartamento e em seus livros. Eu sabia que um solinho de piano que fosse e uma bebidinha qualquer nos deixariam prontos para narrarmos a vida e eu no teu colo! E eu no teu colo Cláudia iria ao banheiro e sentiria a chuva sarrando nossas costas enquanto você se aventurava picando uma cebola forasteira para um tira gosto que inauguraria mais um dos nossos domingos outubrinos e seus chavões de anunciação de verão você iria me confessar estar apaixonada por um cara que vendia biscoitos e já tinha lido um trecho da Eneida e gostava sempre de recitar uma parte. Lá, naquele mesmo bar, aquele sujeito tentaria aparecer com cheiro de barba feita e com um pacote daqueles biscoitinhos amanteigados pra você. Lembro que você comeu por dois dias seus biscoitinhos e deu pra ele uma edição bilíngüe da Eneida. Eu sabia que você não gostava daquele livro, mas vibrava por dentro com seu falso entusiasmo e com o seu decote cor azul da cor do mar que deixava escapulir seus peitos que ainda me lembravam peitos colegiais. Aquela vez em Copacabana você me disse que o lance com o cara dos biscoitos era uma experimentação, uma forma de verificação da promessa de vida que você dizia vir junto com seu nascimento. Você cheirou a poesia que a Florbela tinha escrito e num feriado prolongado ninguém atendia na casa do vendedor de biscoitos e você qual vândala ofendida saiu para pegar o ônibus até Olaria na casa dele de chinelos, shorts e pintas a mil que preenchiam seu corpo branco. Tamanha foi a sua dor ao ver o vendedor de biscoito amante da Eneida com outro par de olhos castanhos vestindo camisola roxa sorrindo um sorriso mesquinho de fêmea dominadora. Não sei o que seria de você se eu não estivesse lá pra pegar contigo o ônibus de volta e espremer o sentimento amoroso com suas lágrimas até a Princesa Isabel onde você prometeu reclusão e me deu um estoque de biscoitinhos amanteigados que durou por um bom tempo. Cláudia, o amor é a piada séria que você um dia me contou. E eu não consigo virar ao contrário a sua declaração, tornar a seriedade uma piada, eu não consigo provar a verdade que diz vestir o amor com roupa bonita. Eu precisava ir embora, ir embora , eu precisava sair Cláudia, eu precisava partir com o amor escrito debaixo do braço. Hoje Cláudia, hoje o hoje é uma mentira e eu sei que esse tempo todo eu estive ao teu lado. E não sou eu quem tem seus livros debaixo do braço sobrevoando a imensidão verde da terra. Eu sou seu companheiro e sou você nas horas vagas e aos domingos um terço das minhas lágrimas são tuas, e eu as choro religiosamente. Nesses domingos, naquelas horas desesperadoras de alguma hora da tarde eu sinto o berro surdo do teu silencio e nessas horas eu fico com uma baita vontade de te escrever, mas não consigo escrever nada, nada que comece com um olá Cláudia, tudo bem com você? Escrevo cartas que eu sei que não vou mandar e já a noite alguém me convida para uma conversa e eu esqueço de tudo. Minto o esquecimento. Não enjôo você não menina, acredite. Todos sentimos com pesar a sua decisão. Mas reservamos um espacinho com muitos foguetes e balões para um arraiá que se acenderá com o seu sorriso.

Fique bem. Mesmo que isso não seja possível.

Um beijo.

José.

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