segunda-feira, junho 14, 2010

Dos Macumbões Sinceros dessa Vida - Parte I

Cheguei em casa já tacando um macumbão daqueles no rádio pra animar assim tirar de dentro a minha vontade de vida tão guardada com cheiro de mofo no desconsolo das tardes de quinta-feira. Há uma altura do ano em que sou tragada completamente por ele e começo fazer as coisas assim automaticamente com pequenos e raros espaços de consciência, lucidez e desespero. Este por exemplo é um desses lapsos, talvez lindo, talvez ajudado por um copinho de whisky barato e uma noite solitária em que fico assim só em casa ouvindo musiquinhas interessantes.

Pois foi mais ou menos assim: eu tinha chegado em casa suadérrima pois você sabe né, final de novembro é aquele desespero horrível, chego toda quente, elevador, espera, repetições vou jogando a roupa pra lá e inventando telefonemas ventilador ligado. Aliás, o ventilador nessa época do ano me dá uma nostalgia doida, uma coisa estranha, uma vontade de usar a palavra circulador ao invés de ventilador e acompanhar aquela melancolia da capinha que fica mexendo mais devagar hipnotizando o meu sono. Pior que isso é papel pardo na janela com tarde abafada... Aí é foda, não dá nem pra tentar bancar a poeta obscura, a poeta sem grana, aquela que vive de seu trabalho intelectual, fico toda suada que termino indo pro chuveiro ou saindo pra rua mesmo, vontade mesmo de estar com alguém tempo nem me sobra pra auto-satisfação ou lamentação ao telefone com as amigas.

Sou realmente uma viada mesmo, pois vou deixando assim promessa na mesa de todo mundo, noite de chopp, tudo isso, mas quando vejo já passou bem depois do tempo e sou só eu comigo mesma e aí meu irmão, é um desespero que eu saio que nem uma zumbi rondando o bairro fingindo casualidades encontrando colegas de longe, acenando e distribuindo coincidências. E se numa dessas minhas saídas encontro quem me dê carinho ou que minta por mais de 20 minutinhos de verdade no ouvido já vou falando da beleza da vida, de disquinho maneiro, de você precisa escutar isso e já vou pegando na mão e olhando pro olho e jurando eterno amor, que fazer, que fazer

Pra depois no dia seguinte chamar o espelho de filho da puta, de cúmplice da minha sorte, da minha sina, pois o nome daquele que roubou meu coração ta guardado nas mais lindas bocas dos sapos e eu fico assim, sendo cada vez mais pudica bancando a indecente, sonhando com as caretices mais lindas, ajeitando o papel pardo corrigindo provas e inventando trabalhos para se fazer ou planos, dietas, simpatias e encontros, guardando em gavetinhas secretas fotinhos e cartas de amor e cheiro de guardado e a tristeza do amarelado e eu cada vez mais trancada no papel pardo cada vez mais escuro cada vez mais abafado quando abro a janela é pra respirar o ar da Mariz e Barros em dia de semana e sonhar com finais de semana com vida além da Conde de Bonfim, praias e praias, ponte, Ponta Negra, Cabo Frio, prainha sincera, cervejinha na praia o mesmo peixinho, celulite sincera e fofocas a mil de fulana que tá com fulano que pegou cicrano e por aí vai e vai e vai.

E eu me desesperando, contendo arrependimento, medo de tomar o caminho de volta, cruzar a ponte e voltar para minha casa, para meu reino, para meu castelo quando chego domingo de noite já sou uma exilada voltando a minha pátria, com ansiedades a mil, telefonemas de domingo de noite, visitas esporádicas, livros intermináveis e choros abafados na madrugada indecente que já tira sua máscara e me mostra a segunda feira nua e crua se insinuando para mim, pobre tijucana, eterna tijucana para sempre com dívidas eternas para sempre passeando meus boleros e meus temas prediletos naquela rua que vai dar no Aterro, naquela rua lá bem longe, lá pertinho da Igreja, da Nossa Senhora da minha Glória prometida desde o início de tudo

Desde o início de tudo

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